Capa - A Hora da Estrela

Resenha – A Hora da Estrela (CONTÉM SPOILERS)

por Jaime de Andruart

(CONTÉM SPOILERS DO FINAL DO LIVRO)

Capa - A Hora da EstrelaA Hora da Estrela é o último livro escrito por Clarice Lispector, em 1977. Em uma tentativa de distanciamento, a autora cria até mesmo um narrador fictício, chamado Rodrigo S. M., mas nem isso deixa passar despercebidas as marcas características de sua escrita peculiar.

O livro, curtíssimo, pode ser dividido em duas partes, embora não haja uma divisão formal clara, visto que a escrita é fluida do início ao fim, intercalada apenas com alguns raros intervalos minúsculos que servem para intermediar cenas ou pensamentos, demarcados por quebra de linha.

Na primeira “parte”, encontramos o narrador divagando a respeito de diversas coisas, tais como as técnicas a utilizar na história a ser contada, as razões para contar essa história, e bem como características aparentemente aleatórias da personagem principal, Macabéa; meta-escrita pura, por assim dizer. É na segunda “parte”, porém, que começa efetivamente o enredo.

Nascida no Alagoas, Macabéa se muda para o Rio de Janeiro após perder sua tia, a quem considerava seu único elo com o mundo. Na Cidade Maravilhosa, arranja um emprego como datilógrafa e trabalha apenas para gastar o salário com cinema e Coca Cola, deixando suas horas livres para a diversão de ouvir rádio relógio, onde aprende toda sorte de informações inúteis, nas quais acredita como se fossem a mais pura verdade.

É então que conhece Olímpico de Jesus, operário de uma metalúrgica, com o qual rapidamente passa a um relacionamento. Ele, no entanto, é completamente diferente dela: um homem decidido, com planos para o futuro, e que não mede esforços para passar-se por conhecedor das coisas.

Após a relação se estender, de um modo até abusivo – Olímpico ofende Macabéa de todos os modos desde que ambos se conhecem –, ele a abandona em prol de sua colega Glória. Macabéa, que até então acreditara-se feliz a despeito de sua vida miserável e dos maus tratos de todos que conhecera, começa a pensar sobre coisas que nunca pensara antes: identidade, solidão, futuro… E é por conselho de Glória que ela finalmente vai descobrir que tem um futuro.

Visitando uma cartomante.

A pobre mulher recebe da cartomante as melhores notícias que poderia querer ouvir. Seu futuro será brilhante, tudo dará certo, sua estrela irá finalmente mostrar sua luz ao mundo, e tudo dali a uns poucos instantes. Maravilhada, ela sai da tenda e é atropelada.

Bye bye, sonhos miseráveis de alguém que acabou de descobrir que os tinha.

O livro termina num tom soturno. Apesar da escrita rápida e fluida, a impressão que permanece é aterradora: até onde uma pessoa não reconhece sua própria existência? Até onde uma pessoa é completamente descartável, por não contribuir em absolutamente nada para o mundo? E o quão terrível é a tragédia que acontece justamente com alguém que acabou de se conhecer, de descobrir que tem a capacidade de sonhar?

Todos nós temos um pouco de Macabéa – e um pouco de Olímpico. Clarice Lispector conseguiu criar um contraste como dificilmente se vê na Literatura, e isso é absolutamente louvável.
Como não costumo endeusar nenhum autor, é preciso reconhecer, no entanto, um deslize da autora: a demora para que a história de fato principie. Tanto leitores quanto críticos são unânimes quanto a começos enfadonhos, e o caso com A Hora da Estrela não é diferente: vamos logo ao enredo! Literalmente metade do livro gasta em divagações filosóficas e meta-literárias é no mínimo irritante.

Felizmente a autora consegue se recompor a tempo, e introduzir uma personagem improvável em um enredo bastante provável, e, ao mesmo tempo em que emociona, nos faz pensar sobre como o autoconhecimento pode alterar completamente a percepção de uma pessoa sobre si mesma.

A Hora da Estrela é a última hora de cada um de nós, e a melhor maneira que Clarice Lispector poderia ter encontrado para encerrar sua carreira e, infelizmente, sua vida.

“Cada dia é um dia roubado da morte.”


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Comentários

2 respostas para “Resenha – A Hora da Estrela (CONTÉM SPOILERS)”

  1. Avatar de NICOLE LOPES RODRIGUES
    NICOLE LOPES RODRIGUES

    sendo bem ignorante essa resenha me deixou furiosa
    pra que um spolier desse? sinceramente entrar nesse post foi a pior coisa que fiz me sinto roubada (a popularidade do livro não entra em questão)

    1. Avatar de Mayara Barros

      Oi, o colaborador não está mais conosco e não posso responder por ele.
      Você tem toda a razão e vou alterar o título da resenha para colocar um aviso de spoiler.

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