Resenha – Hellraiser

por Jaime de Andruart

Hellraiser - Darkside Books
Divulgação – Darkside Books

Quão longe uma pessoa poderia ir em busca de prazer? O que ela seria capaz de dar em troca? Que atos cruéis ela estaria disposta a realizar?

Hellraiser: Renascido do Inferno é o título brasileiro da famosa novela The Hellbound Heart (Coração Atado ao Inferno, em tradução livre), publicada pela primeira vez em 1986.

The Hellbound Heart rendeu uma adaptação cinematográfica chamada Hellraiser em 1987, que estabeleceu todo o universo dos seres chamados cenobitas como um dos maiores ícones modernos do horror. É, aliás, do título do filme que a versão brasileira do livro retirou o seu próprio. Como uma tradução literal não cairia bem, e como o filme já é um clássico, tanto com seu título em Inglês quanto em Português, pode-se compreender perfeitamente a opção da editora em manter o nome do filme em vez de criar uma tradução nova para o título da novela. Deve-se admitir, afinal, que Hellraiser: Renascido do Inferno carrega uma carga sonora muito forte.

Bem, Hellraiser conta a história de Frank, um homem que facilmente fica entediado e busca sensações e prazeres cada vez mais fortes. Com essa sede insaciável por sentimentos cada vez mais fortes para preencher o vazio de seu interior, ele acaba descobrindo a respeito de um artefato antigo capaz de invocar os cenobitas, criaturas de uma dimensão infernal onde o prazer e a dor são indissolúveis, se não a mesma coisa. Frustrado por invocá-los e não encontrar a luxúria infinita com a qual sonhava – muito pelo contrário, ele encontra apenas dor e agonia sem fim, – Frank acaba sendo abduzido por essas criaturas e preso no seu mundo para sofrer durante a eternidade. Com algum esforço, ele consegue escapar por uma espécie de portal, que o leva de volta ao quarto escuro onde havia invocado os cenobitas pela primeira vez, mas a partir de então, Frank se torna praticamente um fantasma preso àquele local, sem matéria e nem forma, esperando por alguém que o possa finalmente libertar.

Um ano depois de todos esses acontecimentos, o casal Julia e Rory – irmão de Frank – passa a morar na mesma casa onde Frank encontrou o seu fim. Julia, que se apaixonara por Frank pouco antes de seu casamento anos atrás, descobre que Frank precisa de ajuda para recuperar a forma física, e passa a ajudá-lo com essa tarefa, seduzindo estranhos e levando-os a Frank, para que ele possa se alimentar. Conforme o tempo passa, Rory começa a achar o comportamento de Julia cada vez mais estranho, e pede ajuda a Kirsty, sua amiga, para descobrir o que está acontecendo com sua esposa. É então que a garota descobre o abatedouro em que a casa do casal se tornou, e passa a fazer de tudo para salvar seu amigo Rory, por quem nutre uma paixão secreta, de sua esposa traidora e de seu irmão morto-vivo.

Com não mais do que 150 páginas de texto, Hellraiser é um livro razoavelmente curto, mas é impossível pô-lo de lado até terminá-lo. A escrita de Clive Barker, traduzida por Alexandre Callari, é simples e empolgante. Quanto mais você lê, mais você afunda nas trevas, na dor e no mundo dos ambíguos cenobitas, símbolos extremos do sadomasoquismo, do prazer por intermédio da dor. Ganchos, correntes, pregos, agulhas e toda sorte de instrumentos são usados por essas criaturas para agradarem aqueles que as invocam. Arrancar a carne e recosturá-la, trocar os membros de posição, tornar órgãos internos visíveis, pregados a partes do corpo não usuais para eles… Tudo isso faz parte do acervo de coisas que os cenobitas podem proporcionar a quem os invoca. É claro que nem todas as pessoas conseguem encontrar prazer nas mesmas coisas, e o segredo dos cenobitas reside no fato de que nenhum humano é capaz de compreender o que a espécie deles entende por prazer.

!!!ALERTA: REVELAÇÕES IMPORTANTES DO ENREDO À FRENTE!!!

Para quem conhece a versão cinematográfica, de 1987, é interessante ver como o enredo praticamente não se altera na adaptação, exceto por algumas mudanças que, a meu ver, apenas enriqueceram a história: Kirsty, por exemplo, é filha de Rory (chamado Larry no filme), portanto o mote de Frank, “venha para o papai”, dá um tom ainda mais obsceno e incestuoso à frase. Frank, por sua vez, foi retratado com um caráter muito pior no filme, o que apenas confirma o fato de que é ele o verdadeiro vilão da história, e não os cenobitas, conforme alguém poderia apontar num primeiro momento. É ele, por exemplo, quem os invoca, é ele quem manipula Julia a seduzir e matar estranhos para que ele se alimente e recupere seu corpo, é ele quem tenta estuprar Kirsty, tanto no livro quanto no filme, e é ele quem mata o próprio irmão para roubar a pele dele. Com absoluta certeza, um dos personagens mais perturbados que há na literatura.

!!!FIM DAS REVELAÇÕES IMPORTANTES DO ENREDO!!!

Quanto ao tratamento gráfico, o livro, como quase todos da Darkside Books, é digno de nota. O exterior é ricamente trabalhado em relevo, enquanto o projeto gráfico do interior contém ilustrações e detalhamentos interessantes, tais como desenhos de correntes segurando números de página, etc.

Para concluir, Hellraiser é uma leitura que vale a pena para quem procura uma boa história de terror ou para quem conhece apenas o filme e quer se aprofundar mais nos detalhes desse universo, tais como o surgimento do artefato conhecido como Configuração de Lemarchand, ou os rituais para invocar os cenobitas.

A seqüência da obra é O Evangelho de Sangue (The Scarlet Gospels). Procuraremos resenhá-la assim que possível. Não invoquem os cenobitas até nos vermos novamente!


Publicado

em

por

Comentários

Uma resposta para “Resenha – Hellraiser”

  1. Avatar de Bablofil

    Thanks, great article.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.