Cuida bem de mim
Era um dia de domingo, ensolarado, sem uma nuvem no céu, perfeito para aproveitar o tempo, visitar quem amamos, ou simplesmente caminhar, passear de moto. Pedro está para realizar neste momento todos esses desejos. Deixa de ser perfeito, por ao passear pilotando sua Harley, ele atende o chamado do seu coração. Decide parar, caminhar até o território exato, onde sua vida e dor moram; diante de uma temperatura amena, exuberante e linda, Pedro começa sozinho a confabular.
Oi meu amor. Como você está? Lembra que dia é hoje? Claro que você lembra se não eu não estaria aqui. Pois sei, somente estou aqui por você me amar. Nossa Gabi, difícil acreditar; já se passaram tanto tempo. Hoje completamos dez anos juntos. Dez anos meu amor.
Liza acompanhou todo o trajeto de Pedro, ainda, dentro do carro, ela observa a cena de longe, dessa vez preferiu segui-lo e ver com os próprios olhos. Com uma roupa leve, como o dia pede, de bermuda jeans, um pouco desfiada acima do joelho, uma blusa mais folgada com o slogan da banda Rolling Stones, sandália rasteira preta, ela sai do seu carro, estacionado do outro lado da avenida; aciona o alarme, temerosa que Pedro escute a mais de quinhentos metros de distância. Mas, graças a essa extensão, ele não se move e continua na mesma posição, apoiado com as pernas dobradas e conversando como se estivesse alguém escutando.
Com passos largos, Liza atravessa a avenida, entra na região cercada por muros, caminha paliando entre as árvores, até chegar a mais adjunta, de onde Pedro continua a minuciar suas lamúrias.
Impossível esquecer você, impossível deixar de te amar. A nossa Marina está linda, esperta, brincalhona, sempre humorada, como você. Com apenas oito anos; tudo nela faz lembrar-se de ti e isso é maravilhoso.
Liza percebe que a pausa de Pedro é para um choro descontrolado. Ela respira fundo, é insuportável vê-lo assim, nessa condição. Ela que já tentou de várias maneiras ajudá-lo, agora não sabe o que fazer. A única certeza que tem, é que, chegou ao seu limite. Após Pedro controlar o choro, ele continua.
Te amo por toda minha vida, independente dessa nossa condição. Estamos separados apenas por um plano. É difícil entender os motivos de você ter me deixado. Difícil entender a vida, mas estou tentando, Juro que estou.
Mas uma pausa e por final Pedro principia a despedida.
Preciso ir meu amor. Fique com Deus!
Pedro levanta devagar do túmulo que está florido, olha a lápide com a foto da mulher. Foto que ele escolheu, onde destaca o dourado dos cabelos e da pele, parecendo uma princesa. Erguido, ele posiciona para trás em um passo curto, como se não quisesse partir. Ao contornar lentamente, o susto foi hiante; imediato. Pedro fica em choque, atônito, a ocasião presente era tudo que ele não queria que Liza presenciasse.
Lisa oferece um sorriso deprimido; infeliz por escutar toda sua declaração; abatida por não acreditar na cena; triste por ver Pedro muito abalado e ela não poder fazer nada. Ambos ficam alguns segundos fitando, Liza emocionada, Pedro recuperando o fôlego.
– Liza, por favor, me escuta. – implora.
Liza apenas balança a cabeça negando, negando que queria ouvir, confirmando o cansaço da frequência desta circunstância.
– Escutar o quê, Pedro? Mais o quê?
– Eu posso te explicar, não é nada demais isso aqui, é… é… que hoje faríamos 10 anos juntos. – tenta justificar.
– Hoje vocês fazem dez anos juntos, depois vêm os seis anos de falecimento do seu grande e verdadeiro amor… – ela não esconde a emoção, e Pedro também não disfarça o quanto dói nele proporcionar esse padecimento; Liza foi a única mulher que concedeu ficar com ele nesse alvoroço da sua vida sentimental, por mais de dois anos. Pedro passa a mão no rosto, nervoso e quando tenta falar, Liza continua.
– Escutei tudo Pedro. Juro que eu tentei te ajudar, fiz de tudo nesses dois anos por você, por te amar, pela Marina. Mas não posso lutar sozinha, não posso…
– Não Liza. Você não pode acabar só por causa disso. – embravece Pedro.
– SÓ POR CAUSA DISSO? Tem certeza? – indaga Liza inconformada.
– Por favor vamos conversar em casa. – atreve-se Pedro ao tentar aproximar.
– Não! Chega Pedro. Cheguei ao meu limite. Não irei investir em uma pessoa que convive com o luto a mais de seis anos. Não irei aguentar ter que saber que no ano de casamento, de namoro, aniversário da filha, natal, virada de ano, você prefira passar aqui no cemitério, a orar ou passear, fazer algo diferente.
– EU ESTOU TENTANDO… – Pedro percebe que vociferou e imediatamente modifica a entonação, e sussurrando, ele repete. – Eu estou tentando, mas não é fácil.
– Você apenas acha que está tentando. Pois faz tratamento, cuida da filha, vai a encontros regulamente de pessoas que ficaram viúvos jovens. Mas nada disso adianta… Nada disso adianta se você não quiser. E você não quer; você…
Liza já não consegue segurar o choro, e Pedro mantém-se aflito ao ver que ela está levando adiante o fim do namoro. Porém ela mantém-se firme e continua.
– Você acha que se entregando, se abrindo para um novo relacionamento, pode está traindo sua falecida esposa. Você não quer isso, você não quer desvincular sua imagem a dela. E eu; eu, sou jovem, tenho menos de trinta anos, quero um homem que eu possa ter realmente para mim; que me proteja e não só eu cuide. A minha vida nesses dois anos, foi cuidar de você; e o que recebo? Uma declaração de amor do meu namorado, do homem que até então eu amo, para sua falecida esposa. Então, Pedro, eu tiro o meu time de campo, deixo-o livre para você; para você curtir seu verdadeiro amor com sua falecida esposa.
Ele mantém-se visivelmente alarmado, lastimoso. Liza também perdura-se agitada com o desabafo. Observa Pedro; Mesmo amando, mesmo olhando para beleza estonteante; um rapaz alto, musculoso que não perdia um dia de malhação durante a semana, cabelos volumosos, olhos mel bem claro, quase folha seca. Lindo, forte por fora, com uma alma inerme. Pedro era sim, um pedaço de mau caminho, que justamente está fazendo mal ao seu caminho, a sua vida. Portanto, antes que enlouqueça pela fraqueza do namorado, Liza prefere ser sucinta na sua atitude em finalizar a relação.
Pedro segue com o olhar inerte, observando Liza sair do cemitério com seu belo par de olhos verdes lacrimejando, escuta com os gemidos sofridos; admira seus cabelos longos ondulados dourados, observa o encanto das suas curvas mesmo de costa a ele; “Não suporto perder novamente”, pensa antes de avistar o carro da namorada e perceber que se não protestar, ela logo desaparecerá da sua vida.
– LIZAAA
Liza segue sem alterar seu caminhar em direção a saída, e quando aproxima do carro, ela sente o toque de Pedro no seu braço. Os dois trocam olhares impetuosos, congelados diante do medo. Pedro tenta mais uma vez.
– Não faz isso com a gente. Por favor?!
Liza fita-o ainda por alguns segundos.
– Não posso! Não posso continuar com você se você não interverter.
– Eu prometo que irei mudar.
– Você já prometeu isso outras vezes. Nunca cumpriu. Como irei confiar? Como posso ter certeza que dessa vez é verdade. Preciso de atos Pedro, preciso que prove agindo, não só prometendo.
Pedro fica mais uma vez afônico, pois sabia que ela tinha razão; diante do seu silêncio mais desesperador, do que vontade, ele escuta sua última indagação antes de entrar no carro.
– Você está de moto?
Pedro não tem voz para responder, apenas confirma com a cabeça, ainda com olhar distante de ver que seu namoro realmente está escapando das suas mãos.
– Cuide-se, Pedro, não faça besteira.
Após a saída de Liza, Pedro ainda com a mente estagnada pelos fatos, ampara na primeira árvore que encontra, e antes de buscar a filha para uma tarde de lazer; ele chora compulsivamente.
***
Um mês depois, Liza recusou todas as ligações de Pedro; nos grupos em comum do celular, evitava conversar; pegou seus objetos pessoais no apartamento poucos dias depois para desespero de Pedro.
Preocupada, a filha Marina, com apenas oito anos, ligou para os avós. Pediu para ser cuidada, e que o pai precisava de carinho. A avó que desceu do interior até o apartamento do filho na capital baiana, passou algumas semanas cuidando da neta e de Pedro; mais algumas semanas, mais um mês se passaram. A mãe já não sustentava ver o filho entregar-se a um luto de anos, advertiu sobre as perdas que isso poderia proporcionar. Informou que Marina não estava bem em Português, matéria que a pequena dominava com remanso, não só pelo pai ser jornalista, mas por Liza ser professora da matéria na mesma escola de estudo. Essa foi a primeira pancada que Pedro recebeu naquele dia. A outra foi o alerta de dona Helena, quanto à perda irreversível do amor de Liza, se ele não mudasse suas atitudes, seu estilo de vida. O medo tomou conta de Pedro. Em um impulso, entre imagens da esposa no leito de morte, na cama pedindo para ele ser feliz; em seguida, a imagem dele e Liza em piquenique, em hotel fazenda com a Marina na cidade turística Domingos Martins no Espírito Santo, Pedro atende a súplica da mãe, eleva um sorriso na face, levanta do assento de seu homeoffice, pega a chave da moto, ele olha o horário, observa que chegará a tempo, beija a testa da mãe e sai pressuroso.
Em menos de uma hora, o mesmo, encontra-se sentado no banco da praça enfrente a escola. Pouco tempo depois, Liza desponta com outros quatro confrades de trabalho. Liza observa a beleza, fica penalizada pela face triste de Pedro. Os companheiros que estavam ao lado desejaram boa sorte e logo dispersam. Liza aproxima vagarosamente.
– Oi. – Pedro cumprimenta tentando não perder a oportunidade, mas continua sentado. Liza resolve assentar-se ao seu lado.
– Oi. – Liza cumprimenta sem saber como comportar, e lembra-se do problema da Marina, excelente oportunidade de rescindir o silêncio desconfortante. – Soube que Marina não está bem em Português.
– Sinto sua falta. – fala Pedro mudando de assunto.
– Pedro, por favor. – pede Liza, surpreendida, amparando os cotovelos nos livros.
– Me dê mais uma chance? Uma nova oportunidade. Por favor, Liza!
– É complicado, não quero mais arriscar, não posso ignorar sua condição. Você ainda está preso ao passado. – tenta explanar sem convicção do que realmente deseja.
– Dessa vez pode ser diferente.
– Não. Não, enquanto você desembuçar essa diferença; não, enquanto eu não ver a evolução dos seus atos; não, enquanto eu perceber que você ainda ama seu passado ao ponto de não conseguir amar seu presente. – Liza respira profundamente e prossegue. – Prove, Pedro. Comprove. Mostra-me que você é capaz de cuidar de mim. Restaure a confiança que perdi em você. Só assim, só acreditando que eu também posso ser cuidada, podemos nos encontrar e decidir o melhor para a nossa relação.
Segurando as lágrimas, Pedro avisa:
– Eu não vou desistir, Liza. Nós nos amamos, eu sei e sinto. E sim! Irei atender a tudo isso, e o mais importante; que eu sou capaz de cuidar de você. Irei corrigir todas essas falhas. Eu não posso, e não irei lhe perder em vida.
Liza fica comovida, pela primeira vez, escuta uma declaração de amor de Pedro. Ela nunca escondeu seus sentimentos, porém Pedro sempre foi absorto. Sonhava com esse momento. Porém, como no dia infausto no cemitério, ela mantém-se firme, até mais hostil, pois ainda não confia nas decisões dele. Após alguns segundos em taciturnidade.
– Ficarei aguardando a sua mudança. Mas não por mim, Pedro, e sim por você.
Liza fita-o, Pedro está inerte olhando para ela, como se quisesse falar mais, porém sua voz não sai, ela observa à hora, percebe-se que agora, após essa conversa difícil, tem pouco tempo para o almoço, assim levanta e despede-se.
Liza não chega a alargar dois passos, quando escuta o seu nome ser arfado.
– Liza.
Ao virar, Pedro já está colando seus lábios no dela, Liza mesmo receosa se entrega ao delicado beijo de Pedro, que evolui com rapidez, para uma magnitude, cheio de nostalgia e anseio. A entrega é de ambos, sutilmente.
– Eu te amo, e te amei nesses dois anos, não duvide disso. –sussurra Pedro após o beijo longo, em um abraço com a mesma intensidade.
Liza sai em direção ao seu carro em êxtase, pensamentos atiça sua mente; impossível esconder o que sentia; saudade dos beijos, abraços, da intimidade. Ao entrar no carro, ambos fitam um ao outro, com esperança; todavia, o futuro é incerto. Liza não tem expectativa de ver Pedro superar o luto. Mas percebe-se que ele está mais decidido e menos dramático como nas outras tentativas.
Pedro fita o olhar de Liza, ainda sentindo o gosto do beijo, na vontade de poder reconquistar o seu amor. Uma despedida com olhar, na qual Pedro sente; o tempo para essa separação só dependerá exclusivamente dele; do que ele quer e busca. E ele não tem mais dúvida. Ele quer viver. Apenas viver com um amor em vida.
Patrícia OBS, baiana, formada em Turismo, Ciência Contábeis, atual estudante de Letras. Tem o blog Leituras Plus como hobby para alimentar sua paixão por jornalismo, leitura e escrita. Com este conto, ela estreia sua carreira de autora, almejando seu primeiro romance, que não demorará de nascer.
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10 Comentários
Cristina Daitx
Adoro leituras que trazem tanta emoção. Ouso dizer que este conto poderia ser o começo de uma grande história. Consegui sentir a dor de Pedro pela perda da esposa, e também a mesma pela perda desse novo amor. Enfim, fiquei comovida pela história do casal e adorei esse conto.
Patrícia OBS
Cristina,
Que delicia receber seu carinho. Quem sabe a estória do Pedro se estende. Com esse fedback então, fiquei Muito animada e confesso: a estória está toda pronta na minha mente.
Muito Obrigada pelo carinho.
Bjocas
Patrícia OBS
Cristina,
Que delicia ter seu fedback. Muito obrigada por todo o carinho. Quem sabe a estória de Pedro e Liza não será estendida. Com esse fedback então, fico muito animada. Mas como você falou, a dor do Pedro é grande, eu também precisarei de força.
Bjocas
Cristina Daitx
Adoro contos que trazem tanta emoção. Ouso dizer que esse texto poderia ser o começo de uma grande história. Consegui sentir a dor de Pedro pela perda de sua esposa e também pela perda de seu novo amor. Fiquei comovida e curiosa com a história.
Michelli
Paty vc arrasou!!! Fiquei curiosa, o amor do presente vence o amor do passado? rsrsrs
Parabéns!!!!!! Espero seu primeiro romance ansiosamente.
Patrícia OBS
Michelli
É muito delicioso ter esse seu fedback. Amei demais saber que você curtiu. Então, quanto Amor passado x amor presente lhe digo, para o amor presente vencer Pedro precisa ser forte, e reagir. A dor dele é grande, mas o medo de perder Liza também.
Mil beijos.
Viviane Dutra
Que lindo Patrícia, parabéns, vejo um lindo futuro como escritora para você.
Beijos
Vivi
Patrícia OBS
Vivi
Muto, muito, muito obrigada pela força e fedback. Deus abençoe suas palavras. A jornada está no início, mas a dedicação, vontade é 100%.
Mil bjocas
FABIANE NUNES ROCHA
Nossa estou em êxtase isso e o inicio de um lindo romance e quero esta presente no lançamento amiga, Parabéns!!
bjs
Patrícia O.BS.
Fabiane, que linda receber sua mensagem, seu apoio e carinho. Fiquei radiante, é desses pequenos incentivos que eu ganho estimulo e coragem para seguir nessa jornada. Em breve vem mais novidade. Bjocas.