Autores
Robson Silva Alves
Liriam Rodrigues
Petronilha Alice Meirelles
Gabriel Guimarães
Thássio Ferreira
Bianca Sampaio Moreno
Shakti Oertlin
Ricardo Moncorvo Tonet
Edson Amaro de Souza
Bruna Herminio
Ana Paula Barbosa
Adilson R. Gonçalves
Vanessa Oliveira
Ayumi Teruya
Carlos Alberto de Oliveira
Odair Albuquerque
Hedjan C. S.
Thays Moreira
Reinaldo da S. Fernandes
Julia Yembo
Revista
nº 13
Equipe
Editora-chefe
Mayara Barros
Conselho Editorial
Claudia Bianco
Igor Batista
Marina Brandão
Mayara Barros
Vitória Pratini
Projeto Gráfico
Claudia Bianco
Marcelle Andrade
Mayara Barros
Victor Vicente
Vitória Pratini
Jornalistas
Claudia Bianco
Marina Brandão
Mayara Barros
Vitória Pratini
Colunistas
B. Craus Nantai
Capa
Mayara Barros
Revisão
Claudia Bianco
Contato
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Fone: (21) 992335745
Facebook: /revistavessa
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1
A
mar/abr 2017
A revista Avessa é uma iniciativa independente de graduandos do curso de Jornalismo da UERJ. Os textos divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não necessariamente refletem a opinião da revista. Não é permitida a reprodução dos artigos e textos aqui publicados.
Nº 13
Mar/Abr 2017
Editorial
Essa edição exigiu paciência. Foram muitos atrasos e por isso pedimos desculpa. O apoio de vocês é essencial para que a Revista continue sempre funcionando da melhor maneira possível. Todos os envolvidos dão o seu melhor para que os textos publicados sejam de qualidade (os autores inscritos inclusive!) e saber que a publicação de cada edição é aguardada com carinho nos motiva a continuar sempre.
Esperamos que o carnaval de vocês tenha sido cheio de momentos felizes e inspiradores porque os preparativos para a próxima edição já estão começando.
Nos vemos em maio!
mar/abr 2017
A
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Mayara Barros
Editora-chefe
poesia
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poesia
poesia
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9
poesia
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poesia
Carnavais
Liriam Rodrigues
Desbordando meu carnaval
Petronilha Alice Meirelles
Robson Silva Alves
Gabriel Guimarães
Thássio Ferreira
Amor de Carnaval
Carnaval do Brasil
Dos perigos da moral
Fevereiro
Folia
Folia
(das tuas palavras que dançam)
Meu enredo
O carnaval de
Carrie Fisher
Shakti Oertlin
Bianca Sampaio Moreno
Thays Moreira
Ricardo Moncorvo Tonet
Edson Amaro de Souza
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poesia
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poesia
18
poesia
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poesia
poesia
prosa
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30
33
23
coluna
prosa
prosa
poesia
prosa
Infiltrados
B. Craus Nantai
Inocência Nonsense
Faces Ocultas
Ana Paula Barbosa
Bruna Herminio
Adilson Roberto Gonçalves
Vanessa Oliveira
Ayumi Teruya
Pés
Mariazinha
Minha canção de exílio
A Noite dos Mascarados
Sábado de Carnaval
Situação ideal de combate
O dia em que o país foi golpeado na democracia
Poema de Carnaval
Carlos Alberto de Oliveira
Julia Yembo
Odair Albuquerque
Hedjan C. S.
Reinaldo da Silva Fernandes
40
prosa
42
prosa
45
prosa
50
prosa
53
poema
hiatos@bol.com.br
Robson Silva Alves
“Casado pai de dois lindos poemas Salete e Vinicius,resido na cidade de Coaraci-Ba
onde iniciei nos concursos literários tendo sido agraciado em algumas edições,tive a felicidade de obter diversas
premiações como os concursos literários da UFF, Bahia de Todas as Letras, Cataratas, Mogi das Cruzes entre outros.”
Amor de Carnaval
No carnaval meu bloco
É a saudade
À procura de um sorriso
Minha felicidade
Pulo atrás do trio
Livre. Leve. Vadio
Mas meu coração
Mascara um vazio
Canto então pra lua
Embriagado de amor
Fantasiado de palhaço
Um triste pierrô
Que não encontra sua columbina
Que não vê a amada
Desfilar na avenida
Que mesmo na alegria
Não encontra saída
Entre máscaras e serpentinas
De idos carnavais
Ao lado da bela menina
Procuro então
Em outros beijos
Um consolo seu
Choro de saudade
Um longo adeus
No próximo carnaval
Encontrarei uma paixão
Para esquecer a amada
Que me deixou na multidão
Vou encontrar
A cura para meu mal
Para esquecer este amor
Amor de carnaval
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A
mar/abr 2017
mar/abr 2017
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liriamry@hotmail.com
Líriam Rodrigues
Carnavais
“Sou Pedagoga, formada pela Universidade Federal de Viçosa. Moro em Teixeiras, uma pequena cidade na Zona da Mata mineira. Desde os meus 17 anos, escrever poesia sempre foi uma de minhas paixões.Tanto amor pelos versos e rimas me proporcionou a honra de receber premiações em concursos literários e antologias.”
Coloco a minha melhor fantasia
e saio pelas ruas a dançar
Norte a Sul só alegria
haja fôlego para aguentar.
Tomo um café bem esperto
como um delicioso pão de queijo
dançando subo as ladeiras
da famosa Ouro Preto.
Me despeço das Minas
lá na serra o sol se pôs
e quase como uma passista
já caio no samba
no embalo da bateria.
Com muito brilho e glamour
exausta de tanto sambar
já de longe escuto os tambores
e já começo a me animar
Digo olá para a Bahia
eu já tenho abadá
visto logo a camisa,
o show não pode parar.
Muita festa e alegria
nesta data de tirar o fôlego
uma pausa para o descanso,
contemplo os bonecos de Olinda
amanhã começará tudo de novo.
Cinco dias de euforia
é festa em todo lugar,
É carnaval, é amor,
é alegria.
é cultura popular.
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mar/abr 2017
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Petronilha Alice Meirelles
alicegemeos@yahoo.com.br
Desbordado o
meu Carnaval
Graduada em Língua Portuguesa, Psicopedagoga, Mestre em Desenvolvimento Local, escritora.
Meu mestre-sala, brilho do meu reinado momesco
Você é meu rei bordado em lantejoulas coloridas
Sou tua rainha encantada pelo teu ser
Sou sua porta-bandeira envaidecida
Ao som da bateria saltitamos com leveza
De repente…
As arquibancadas esvaziaram pouco a pouco
O som emudeceu paulatinamente
A escola de samba sumiu com seu samba alucinante
A avenida nostálgica contempla
Simplesmente nós
Não há mais aplausos
Conduza-me!
Baile!
Corteje-me!
Seduza-me!
Valse!
Sorria!
Gire!
Mensure!
Proteja-me!
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A
mar/abr 2017
Surge a apoteose
Fim do meu desfile
Destecem os fios do meu bordado
Do meu ritmo carnavalesco
Desenovelou-se o meu devaneio
Desbotou o colorido do meu mestre-sala
Some no dilúculo
Somente eu desvanecida
Choros na quarta-feira
Tudo são cinzas
Cadê meu rei encantado?
Cadê o desenho que me alucina?
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Gabriel Guimarães
Carnaval do Brasil
A alegria dessa gente é um mistério,
Cabral descobriu o carnaval.
E o cachimbo da paz, o índio liberou geral.
Quando teve a sua vez, olha o que o gaiato fez
Com a gaita e o ganzá, há, há, há
Foi tentar catequizar
A maraca e o aruá
Ao estilo português.
Ora pôs, pôs
Vira, vira meu irmão.
Dom João assume o trono
E a folia o salão.
O negro cantando por liberdade,
Dia a dia, vai mudando
O costume da cidade.
Bota lenha na fogueira,
Foi ai que ficou bom.
Lá vem o Zé Pereira,
Metendo o pau no bumbão.
Bumba meu boi, meu boi bumbá
Em sergipe o boi passou por lá.
De lá pra cá, são mais de 500 anos
É carnaval, isso é brasil, eu tô ai.
O nosso rio faz a festa na sapucaí.
Chega de uterê, ti, ti, ti e quais, quais, quais
Eu quero alegria, fuzuê e nada mais.
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A
mar/abr 2017
Dos perigos
da moral
Morreu na beira da praia
em terça de carnaval.
Os olhos que a água lavava
já indiferentes ao sal.
À incidência do sol das quatro,
seus poros rachavam em flor.
As tetas nuas, o ventre inchado
liberavam inda calor.
Morrera não afogada,
como seria de supor,
mas de tanta cachaça barata,
sorvida com fervor.
Fervor de que cada trago
viesse afogar a dor abissal
de ter tanto gostado
do que sempre achara imoral:
a folia despreocupada,
a entrega ao prazer carnal,
o riso desavergonhado,
a alegria sem pudor.
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Thássio Ferreira
“Lancei em 2016 o livro de poemas (DES)NU(DO) e venho participando de antologias (como o Prêmio VIP de Literatura 2016 e a Antologia de contos “Entre Amigos”) e eventos literários (como a Primavera Literária RJ - 2016 e o Salão Carioca do Livro – LER). Também tenho poemas inéditos e obras em prosa publicados em revistas como Germina, LiteraLivre e Philos.”
thassioescritor@gmail.com
Bianca Sampaio Moreno
b.sampaiomoreno@gmail.com
Fevereiro
Bianca Sampaio Moreno tem 26 anos. Escreveu seu primeiro poema aos oito anos, para o seu avô Domingos. Publicou, em 2013, pela CBJE, um livro de poemas chamado “Poesias de amor e da alma”. Pretende publicar outro em 2017 e também um de contos, microcontos e outros gêneros.
As coloridas máscaras baratas
escondem os rostos, os olhos,
mas não as mentiras nem os cheiros.
Quem cheira a tristeza sempre cheirará.
Você fantasia o seu corpo,
mas não muda a sua alma.
Quem tem alma feia
para sempre a terá.
A alegria do momento
não faz esquecer o sofrimento
de rir quatro dias
e chorar trinta anos.
Acaba-se a festa, acaba-se o sol.
Viveremos no escuro
todos os outros dias do ano.
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A
mar/abr 2017
Folia
Que folia é esta que mergulha-nos em ânsia?
Pois é isso que nos encanta:
Os gritos da multidão em polvorosa
Entre fantasias grandiosas e simplórias
E essa tão alegre, altiva e risonha exuberância.
Quem é que vai ao púlpito, abrindo alas às baterias?
Quem é que traz o espetáculo de cores, sons e fantasias?
O Rei Momo vai ao alto,
Carregado na luxúria,
Embelezado em seu palco,
Rodeado do erotismo das Rainhas…
Ao som do pandeiro, a escola dança a dança,
Foliões em êxtase, bailando os passos de seu samba,
E do enredo fazem festa,
Seguindo o som da bateria.
Folias de rua, de casas, de vidas…
Como é bom o Carnaval
E sua autêntica e sensual alegria…!!!
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Shakti Oertlin
Poeta, estudante autodidata. A temática de suas obras literárias foca na poesia árcade e medieval portuguesa e na tragédia do sentimentalismo humano. Apaixonado por História, Antropologia e Sociologia, inspira-se no ar bucólico de sua cidade, Sabará - MG, na literatura portuguesa e na história de Portugal e da Península Ibérica no geral.
oertlinzahringen@gmail.com
Thays Moreira
Folia (das tuas palavras
que dançam)
Moradora do interior do Rio de Janeiro, fascinada pelas montanhas e por sonhos, gosta de fotografar expressões e de admirar Hilda Hilst.
Se te infiltras nestas cores, o suor afeiçoando
o brilho, fico a imaginar teu rosto
enquadrado em fotografia – minha canção por dentro
é bem assemelhada às ruas enfeitadas, papel fosco
para que te saias em harmonia quando
for capturar o que pensas no momento, teu cheiro,
aquele certo caos de tambor que ouves, no correr das fantasias
e desse vento que parece conjugar nosso pescoço.
Sei que te sentes à esquadria do que é mudo,
do costume, mas que se expele na agitação de teu riso,
que me estendo a apanhá-lo, som de jornadas e blocos,
em algo a se prender (guardar)
enquanto não estarei por ti, após noites cálidas
de não me lembrar de algum quadro que te faça, novamente,
em céu e fitas, alvo claro de fascinação.
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mar/abr 2017
Meu enredo
Meu coração
bate no ritmo
da bateria.
Caixas, malacachetas,
surdos e tamborins!
Comissão de frente
apresentando a escola,
passam as alas,
carros alegóricos,
baiana a rodopiar
e a sintonia
do mestre-sala e porta-bandeira.
E eu,
simplesmente,
esperando você
entrar na avenida.
Graça e harmonia,
gingado e alegria
em cada passo
cuidadosamente ensaiado.
Minha fantasia
se realiza.
Na passarela
da minha vida
meu enredo
e esperar você…
desfilar.
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Ricardo Moncorvo Tonet
Engenheiro Agrônomo com diversas publicações na área técnica e com um livro de poesias publicado - Palavras Vivas e participação em algumas antologias de poesias e trovas. Responsável pelo blog ENTRELINHAS e participação, algumas premiações e menções honrosas em concursos de trovas e poesias.
ricardomoncorvonet@gmail.com
Edson Amaro de Souza
plantearvores2@gmail.com
O carnaval de
Carrie Fisher
É professor da Língua Portuguesa da rede estadual
do Rio de Janeiro e do município de Saquarema. Publicou, pela editora Buriti, sua tradução do romance “Valperga”, de Mary Shelley e pela editora Fragmentos seu primeiro livro de poemas: “Ouro Preto e Outras
Viagens”.
Jedis e mosqueteiros as espadas
Cruzarão nas ladeiras da cidade,
Voldemort com mil freiras namoradas
Nuvens expulsarão de tempestade.
E em meio às rainhas bronzeadas
Serem vistos vestidos brancos há-de
E tranças sobre as oiças enroladas:
Tributo à alienígena beldade.
Não será desta vez republicano
O festejo de Momo certamente
Pois uma nobre estrela eis regente:
Não deixará nenhum bloco neste ano
De coroar sua mais bela plebeia
Tal como a imortal princesa Leia.
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mar/abr 2017
Pés
Você não sabe onde pisaram
Estes pés da avenida
Vão do preto ao branco
Da praia ao gueto
Sós ou em bando
Sóbrios (ou nem tanto)
Vão dançando o próprio enredo
Sobre vidas desconhecidas
Que na avenida se encontram
Que na avenida se encantam
E que nas ruas sincronizam cantos
Sob roupas coloridas.
Durante o ano, descansam
E se nas ruas se encontram
Nas ruas não se encantam
E não se entregam por inteiro
Quem dera estas ruas fossem avenidas.
Quem dera se o ano fosse feito
Por doze meses Fevereiro.
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Bruna Herminio
“Nasceu na cidade de Nova Iguaçu (RJ) em 1991. Sempre escreveu
poesias e textos, mas nunca publicou algum trabalho. Atualmente cursa Arquitetura e
Urbanismo na FAU-UFRJ. A participação em
concursos literários é o primeiro passo para uma possível carreira na área, ou talvez uma ideia
meio aleatória que surgiu e ela topou, por acreditar que nada na vida é desperdício.”
herminiobruna@gmail.com
Faces Ocultas
– Sai dai, levanta–te, que me estás a irritar – aplicando o gesto às palavras, arrancou com um movimento brusco a manta castanha que cobria as pernas de Cristina –, olha que jeitosa: já não bastava a mantinha, com essas meiazinhas pirosas pelo tornozelo; parece que casaste há seis anos – um dia vou encontrar–te de bata e lenço na cabeça, afundada nesse sofá.
Recolhendo as pernas, não se moveu: só queria esconder o coração, em algum canto escuro e que parasse de doer: adorava Isabel, mas não agora, não naquele momento, em que só queria que a deixasse só.
– Deixa–me – atreveu–se, sabendo a priori que o seu pedido seria ignorado.
– Deixa–te tu…dessas mariquices; uma rapariga com tantas qualidades, pareces uma velhota, enterrada num maple, como se o Mundo fosse acabar e não tivesses Rennie’s para o enjoo.
– Para mim, o Mundo acabou – tu sabes! O meu Mundo ruiu e só sobrei eu…
– Isso é tudo muito bonito, muito apocalíptico, mas para Shakespeare – dramas e horrores para aqui não são chamados – nem tão pouco permitidos, minha querida! Vá, levanta–te ou passas pela vergonha de sair, assim nessa figura, e às minhas cavalitas.
Esboçou um sorriso triste, vincado pelas lágrimas recém–vencidas pela angústia:
– As Rennie’s são para a azia – tentou desviar o assunto.
– Tu está enjoada, não aziada; estás de luto por um homem vivo. E que vivaço que ele está! – Impiedosa, Isabel, limpando as pedras do caminho, tão saturada estava de ‘dramaturgia cristiana’ de terceira categoria –, e não mudes de assunto: ou vens, ou vens, que comigo não há meio–termo, já devias saber.
A custo, Cristina ergueu–se nos antebraços; as pernas recusaram–se a esticar e, muito menos, a obedecer–lhe; compôs os cabelos com as mãos, tencionando prendê–los num rabo–de–cavalo e assim satisfazer a amiga.
– Anda lá, que eu ajudo–te – deitou–lhe a mão, decidida –, vais ver que vais gostar e até divertir–te: é Carnaval, minha querida e, como sabes, ninguém leva a mal… se o Natal é quando o Homem quiser, o Carnaval também é… só não rima por um décimo de inspiração.
Isabel é uma pessoa singular, uma amiga única, forçou–se a reconhecer. Muito próximas desde a infância, tão diferentes quanto poderia imaginar–se, Cristina não vivia à sua sombra, como muitos julgavam: unidas, invejadas e inseparáveis, sobretudo nas passagens mais difíceis que a vida apresentava.
– Vais pôr este vestido verde, com esta carteira; os sapatos podem ser aqueles, repara que estou a ser boazinha – Isabel conduziu–a até ao quarto de vestir, amparando–a –, essas ‘lindas meiazinhas’ podem ir diretamente para o caixote do lixo – irônica, emprestou os atos às palavras, sem comiseração.
– Afinal, para onde queres levar–me?
– Vamos ao Palácio dos Anjos – decidida, mostrou o convite –, o mais animado da cidade.
– Estou cá com uma animação…– interrompeu Cristina, numa vã e desesperada tentativa de ”deixa–me–em–paz–que–é–só–isso–que–quero”.
– Não estás, mas vais ficar, garanto–te. E, pelo menos, o champanhe é grátis: podes absorvê–lo para afogar as mágoas, como diz o povo. Anda lá, solta esse cabelo. – E soprou–lhe pó compacto para o rosto, provocando uma nuvem de partículas, associada ao ataque de tosse de Cristina –, ora muito bem, um toque de gloss e estás linda!
– Estou, estou…amarrotada por fora, destroçada por dentro – as lamúrias pareciam não ter fim.
– “Amarrotada e destroçada”, que bonito par de adjetivos para a noite de Carnaval:
Do not think about tomorrow,
Let tomorrow come and go,
Tonight you’ve got a nice warm boxcar,
Safe from all the rain and snow.
– Não sei onde já ouvi isto, mas gosto – imparável, Isabel não iria desistir –, afinal, minha cara, o João nunca te mereceu: usou–te a seu belo prazer, serviu–se das tuas influências para subir na vida, apoderou–se dos teus conhecimentos em proveito próprio, não passa de um mero oportunista, um alpinista social. E tu, em vez de o atirar ao poço, como merece, estás aí armada em Calimero.
– Tu não entendes: eu gostava dele, mesmo. A sério, e ainda gosto.
– Gostavas dele ou gostavas de ir para a cama com ele?
– Que estás a dizer?! Sexo é secundário, sabes bem disso, eu gosto mesmo dele. Com ele sentia–me tão…sei lá…amada.
O motorista do táxi que entretanto tinham apanhado olhou com mais atenção pelo retrovisor, passando a mão pelo bigode: o diálogo tinha o seu interesse, sem dúvida.
– Querida, sexo é secundário, mas do tipo “primário”: queres que descreva a propriedades terapêuticas que uma boa cama tem?!
Cristina não argumentou, sentia–se cada vez mais arrependida por ter cedido à insistência de Isabel: não queria ir a festa nenhuma, nem ouvir música. Muito menos dançar ou beber champanhe. Não queria nada. Apenas ficar quieta. Quieta. Imóvel. Até a dor se afastar, devagarinho. Ou até João voltar.
– “Amada” rima com “enganada” e com “usada”, que são quase a mesma coisa. – Filosofou Isabel, com a sua dose desconcertante de ironia, e acrescentou – essa segurança que o amor te dá é uma ilusão.
– Ai, quando queres, és insuportável – num ímpeto, Cristina explodiu tudo que retinha – para quê dar–te ouvidos? Antes atirar–me da ponte!
– Não faças isso, que a água está gelada. Estamos a chegar – o magnífico edifício brilhava na noite escura, trazendo com ele os acordes da orquestra – está cá toda a gente – certificou–se Isabel – as pessoas que importam.
– Que bom; era mesmo o que eu queria. – O entusiasmo de Cristina era semelhante a uma tragédia grega e foi de braço dado com ele que entrou na festa. Os lustres queimavam o ar com tal calor, que estremeceu. Isabel recomendou:
– Põe a máscara à frente da cara, é suposto que ninguém te reconheça.
– Ainda mais essa – resmungou Cristina, como resposta, que Isabel ignorou pegando–lhe pelo cotovelo, encaminhou–a para a mesa de acepipes – olha uma tostinha de queijo, para curar o azedume – e sorriu, provocadora, enquanto trincava o aperitivo.
A amiga franziu o nariz, demonstrando descontentamento: no fundo, estava grata, muito agradecida a Isabel, pela determinação e (também) pelas verdades cruéis: desde crianças, que nos ensinam a não mentir – que é feio! –, Mas os adultos esquecem–se de avisar que a verdade dói, fere com o seu gume acutilante, amputa sentimentos e razões.
– Gosto de “pessoas fáceis”, sabes? Cada vez gosto mais! – os olhos escuros de Isabel brilhavam, dançantes e provocadores, por detrás do leque com que encobriu o rosto – dessas que não estão com meias medidas, nem se fazem rogadas. Se proponho “Vamos?”, respondem com “Já lá devíamos estar.”, Que não são enjoadinhas, “ah, vou ver se posso, depois falamos”, indecisas galopantes, sem saber o que querem. E tu, como a maioria, queres o que te é vedado – só quero quem me quer, o resto são floreados inúteis.
Cristina afastou o olhar do da amiga; sabia que proferia aquelas palavras para a provocar, para a contradizer, para forçá–la a sair daquela amálgama de contradições.
– Tu sabes lá o que queres… – contrapôs com indiferença –, tudo sempre te foi fácil…
– Como para ti! A diferença é que tomo partido dessa facilidade e não complico, sonhando com o impossível, com o que causa danos: não me deixo enganar, e depois? É crime, porventura?
– Um dia, tu também vais cair nas malhas da vida e depois falamos.
– Um dia, mas não esta noite. – Garantiu Isabel, com firmeza.
O rapaz que se aproximava ouviu as duas últimas frases, garantindo–se:
– Isa & Cris, impossível não as reconhecer – beijou a face de Cristina, enquanto enlaçava Isabel pela cintura, transpirando à–vontade entre ambas.
– Seu malandro! Chegas e não dizes nada?! Estás cada vez mais giro! Será por isso que não avisaste? – Isabel quis saber.
– Cheguei há dois dias e ainda não parei, acreditas? Quero pôr a conversa em dia – e num movimento ágil, segurou o pulso de Cristina, fazendo–a rodopiar até à pista: a mão reconheceu a outra mão, o corpo identificou–se com o ritmo acostumado – há quantos anos não dançavam juntos? – A música embriagou os sentidos. Irresistível sedução que o tempo não afogara. Deixou–se embalar, entregando–se àquele instante único em que o Mundo pára e nada mais existe. Sentiu os lábios aflorarem o pescoço, tocado ao de leve na orelha esquerda e a mão apertou com força, mas suave, a outra mão.
Do bar, Isabel ergueu o olhar, que cruzou com o de João – instalado no varandim situado no piso superior do Palácio dos Anjos – e um sorriso endiabrado, tão carnavalesco, aflorou a boca de ambos: a ideia de recolocar Francisco no caminho de Cristina merecia um brinde ao Entrudo.
Com um ligeiro aceno de cabeça, Isabel recuou até umas escadas, que subiu com calma e segurança. Ao cimo, João que a aguardava, estendeu–lhe a mão, que enlaçou. A noite de Carnaval ia agora começar.
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Ana Paula Barbosa
anapaulabarbosa77@gmail.com
https://www.facebook.com/anapaula.barbosa.73700
arquiteta de palavras e constelações, licenciatura em poesia e mestrado em irreverência, é apaixonada por cinema e por chá. Nos intervalos, abraça a natureza, os animais e algumas (poucas) pessoas. Escrever é inerente ao respirar e provocar o Mundo, com a essência das palavras, é a sua missão.
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Inocência Nonsense
Roubado é mais doce, valendo para pitangas e beijos. Carnaval no clube da empresa em que os tios trabalhavam na cidade vizinha existia praticamente com a definida e única finalidade de encontrar uma menina e beijar, naquela adolescência que insistia em começar a ir embora. Não apenas ficar, como se diz hoje, mas beijar profunda e conscientemente, sendo retribuído no beijo, sem muita atenção para quem fosse a menina, comemorando mais a carne do que a música. O roubo, assim, virava cumplicidade, a doce cumplicidade de uma eterna noite de baile, que assim o fosse enquanto duravam os acordes da banda – ou orquestra, como queiram – tocando “não se perca de mim” e antes do derradeiro frevo de despedida.
Por total desinteresse, ficava longe dos desfiles de rua pomposos, que mais chamavam a atenção pela capacidade de simular, em pouco mais de uma hora, uma história com detalhes de adereços e fantasias. Carnaval assim visto – ou televisto – era-me cultura, mais que festa, entretenimento ou descanso. Se uma das marcas do Carnaval é o samba, que já vai pelo centenário, a marca do meu tempo de existência vai pela metade disso, suficiente para a saudade começar a beirar a doença, a desmemória.
No cálido salão do clube, com o rebolado que tentava fazer, rememoro e assumo que apenas punha um pé à frente do outro e caminhava pelo espaço à busca de quem também me buscava, tal como salpicava a letra da música. Anônimos por algum tempo naquela noite, ao som das agora saudosas marchinhas que refletiam uma sociedade que queria ser mais do que era, havíamos de nos encontrar. Se até as duas da manhã não estivesse com alguém abraçado de forma sensual, concatenando aquele rebolado desengonçado, algo tinha saído errado. Mas a regra era provida de poucas exceções e a diversão inocente permanecia e se revelava na concessão da mocinha em ser abraçada. Diversão, pois! Romance? Não creio que assim se rotulava, tendo por essência um baile de Carnaval. Depois, até quase o amanhecer, acontecia a troca de telefones, antecedida pelas carícias, pelos amassos, culminando em acompanhá-la a pé até perto de sua casa e a promessa, essa sim nunca realizada, de se reencontrar no Carnaval seguinte. Um ano fora do reinado de Momo era muito tempo para realidades e cruezas vívidas, mesmo naquela idade pré-responsabilidades. No máximo um telefonema do orelhão com a duração de uma ficha metálica.
A música ainda martelava alto nos tímpanos quando me dirigia flanando para a casa da tia para dormir, matando pernilongos insones no braço, com o sol já por nascer, sabendo que teria de acordar alguém porque não levava a chave da porta.
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Adilson Roberto Gonçalves
priadi@uol.com.br
Pesquisador formado em química e, nas horas insones, poeta e contista. Escreve regularmente sobre ciência e tecnologia em jornais da região de Campinas-SP. Possui um blog http://priadi.blog.uol.com.br
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mar/abr 2017
Mariazinha
Adorava aquela época, aquele momento que marcava, efetivamente, o início de um novo ano, o começo de coisas novas e boas, a oportunidade de mudar sua vida, o sentimento de poder que só se tinha naquela época do ano; era carnaval, e, para Neusa, o momento feito para esquecer das mágoas e tristezas passadas. Tinha aprendido a fazer isso com sua mãe, Maria, que sempre fora supersticiosa, e frequentemente lhe dizia: − Minha filha, tudo o que você guarda durante o ano, é esquecido quando o samba toca. E era o que ela fazia.
Maria tinha sido uma sofredora, vindo da roça para a cidade, em busca de uma vida melhor, apenas para encontrar, no lugar, uma vida de miséria e luta. Aos doze anos, trabalhava como empregada na casa de uma família rica, em Vitória, e, aos treze, fora demitida, pois seu patrão tinha se afeiçoado demais por ela – toda vez que contava essa história, uma aura escura tomava conta de si, como se ela revivesse todas as memórias enterradas em sua mente. Aos quatorze, conhecera seu futuro marido, João Carlos, e, então, sua vida mudou drasticamente. Papai não era um homem bom, pensou. Seu Jão, como era chamado, era um bêbado que adorava chegar em casa e descontar suas frustrações em Maria. Se lembrava bem das vezes que o pai, mal conseguindo se manter de pé, empurrava sua mãe e a xingava dos piores nomes do mundo, apenas para, no dia seguinte, pedir desculpas e dizer: − Te amo, Mariazinha.
Ela aceitava, como uma boa esposa deveria fazer; era seu destino, afinal. Tinha sido ela a dizer sim, para João e tudo o que viesse com ele, inclusive a bebedeira. Portanto, engolia os diversos sapos que ele jogava em sua direção e seguia a vida. Sua mãe era uma mulher interessante. Quieta, de poucas palavras, mas tinha um “quê” de sabedoria que lhe deixava admirada; talvez fosse o sofrimento da vida, mas Maria sempre dizia a coisa certa, na hora certa. Outro fato sobre Maria era que ela amava sambar – algo que era contraditório com sua personalidade introvertida.
Todo domingo de manhã, colocava o samba para tocar na vitrola antiga, e saia dançando pela casa, enquanto varria e passava pano. Era algo bonito de se ver, pois, apenas naqueles momentos, ela parecia genuinamente feliz. Seu rosto iluminava, e seu corpo parecia ter vontade própria. Um dia, resolveu perguntá-la o porquê. Maria, então, sorriu abertamente e apertou a filha pelos ombros.
− O samba cura as tristezas, menina.
Só fora entender o que ela quis dizer com isso anos mais tarde, quando tivera sua primeira experiência com o gênero musical. Era carnaval, a época mais alegre do ano, em que as pessoas se jogavam na felicidade e esqueciam dos problemas da vida. Maria tinha resolvido levá-la ao sambódromo pela primeira vez, e ela estava mais do que satisfeita; tinha colocado uma roupa bem colorida, daquelas que não se tem coragem de usar no dia-a-dia, mas, no carnaval, tudo era permitido. Sua mãe também estava bem bonita, com um vestido longo e florido, colares de contas coloridas e tamancos. Ela sorria de canto a canto, transmitindo a sua alegria para quem a visse.
Tinham se encontrando com algumas amigas dela, e arranjado um lugar na extensa arquibancada, para poderem ver os desfiles. Estava animada, o coração batia forte, e tudo o que queria era compartilhar aquela euforia e animação que sua mãe tinha quando ouvia o tal do samba. Contudo, ao invés da alegria, houve uma confusão enorme quando seu pai, quase caindo de tão bêbado, resolvera insultar sua mãe em meio a todos.
Ele gritava: − Sua vadia! Vá para casa agora! Estou mandando, sua peste!
Maria o encarou por um longo momento, e, pela primeira vez, vira nos seus olhos escuros uma determinação muda. Passou-se um longo tempo antes que ela abrisse a boca para responder a João Carlos.
− Vá para casa, homem. Você está fedendo a bebida.
João Carlos estava atônito, como era de se imaginar, e, novamente, esbravejou. Maria, então, com a fúria estampada na face escura, apontou o dedo para ele e gritou.
− Não ouse atrapalhar o único momento de paz que tenho, seu inútil. Não vou embora coisa nenhuma, ficarei, verei o desfile, tomarei algumas cervejas e dançarei a noite inteira! E você vai embora, e me deixará em paz!
Fora a primeira vez que vira sua mãe se defender de seu pai, e sair daquela inercia a qual sempre vivera. Seu Jão estava tão aparvalhado que resolveu fazer o que Maria tinha mandado. As amigas da mãe morreram de rir, enquanto davam tapinhas em suas costas, dizendo que ela era muito corajosa. E Maria soltou uma risada alta, também, sem se importar com o que os outros pensariam dela; estava feliz.
O samba começou a tocar, sendo seguido pelo desfile que acabava de começar. Assim que ouviu, os olhos de Maria se iluminavam, e ela virou para Neusa e disse: − Minha filha, tudo o que você guarda durante o ano, é esquecido quando o samba toca.
Ela sorriu, um longo e brilhante sorriso, que aqueceu seu coração. E, então, pode entender a devoção de sua mãe pelo gênero musical. Era sua salvação; seu refúgio. Sorriu ao constatar isso, e voltou os olhos – do mesmo tom escuro de sua Maria – para o desfile, sentindo seu coração esquentar.
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Frequentou a Universal Federal do Espírito Santo, no curso de Letras Inglês. Apaixonada por literatura, deseja, um dia, ser escritora profissional.
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Vanessa Oliveira
vanessa.gao17@gmail.com
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Minha canção
de exílio
É engraçado como somos capazes de mudar em tão pouco tempo, sentir saudades de algo que nunca imaginaríamos e apreciar o que uma vez odiávamos com todas as nossas forças, mas a vida é assim, engraçada... diversa em todas as formas, inesperada e confusa. E agora aqui estou eu no meu “exílio” sentindo saudades de algo que sempre foi meu.
...
4 anos antes...
— Amiga, anime-se! É carnaval, feriado, sem aula e temos vários “rolês” para ir — minha melhor amiga Karina falou me chacoalhando pelos ombros toda animada.
Nós duas estávamos no meu quarto sentadas em minha cama. Karina havia vindo para fazer um trabalho em dupla da escola, mas na verdade estávamos mais conversando do que qualquer outra coisa, o que era bem normal para qualquer adolescente no último ano.
Ela era o tipo de pessoa maluca que adora sair para uma festa, o terror das baladas. Seu cabelo era louco como ela, cada dia se encontrava de uma cor diferente, era bem oposta a mim. Eu nunca nem havia chegado perto de uma tinta de cabelo, sempre gostei bastante do meu tom castanho, combinava bem com meus olhos cor de chocolate. Eu também não gostava de sair muito, era mais caseira. Preferiria mil vezes ficar em casa vendo filmes do que sair para um lugar abarrotado de gente.
— Ká, você sabe que eu odeio o carnaval. É só uma desculpa para sair seminua pelas ruas e sair pegando todo mundo. Já falei também da poluição causada pelos carros alegóricos? Também tem o denegrimento da mulher, aumento de desastre em massa porque as pessoas ficam loucas e morrem pisoteadas! — respirei fundo tomando fôlego e reparei que minha amiga negava com a cabeça em sinal de reprovação. O que foi que eu disse?
— Você tem dezessete anos ou setenta e um? — Karina bufou. — Sara, Sarinha... — ela deu uma longa pausa — Pare de ser careta. Você se esqueceu da parte da música, dos gatinhos e da dança! — ela saltou para fora da cama e começou a sambar com uma música que parecia estar somente em sua cabeça.
— Eu não gosto de sambar — respondi irritada. Estou no país errado! Odeio calor, carnaval, funk, samba... arg! Revirei os olhos.
— Você por acaso SABE sambar? — ela levantou uma sobrancelha me encarando séria, abri e fechei a boca rapidamente e me levantei da cama decidida.
— Não e nem quero! Preferia mil vezes ter nascido em outro lugar sem essa cultura da bunda! Nós precisamos evoluir, respeitar as mulheres, parar com essa violência e corrupção — cruzei os braços a encarando séria.
— Amiga... — Karina colocou uma mão sobre o meu ombro — Você deveria se candidatar à presidência.
...
2017.
Desci do avião e respirei fundo sentindo o ar brasileiro, inspirei todo o clima que me rodeava e a sensação de finalmente estar em casa. A energia do país me fazia querer sair saltitando pelos corredores longos do aeroporto. A única coisa que sentia naquele instante era o alívio por finalmente estar em solo brasileiro, do meu Brasil.
Depois de terminar o colégio decidi mudar de país, queria conhecer o mundo e uma faculdade estrangeira valeria muito no meu currículo caso voltasse para o meu país de origem. Não foi tão fácil quanto eu imaginava, adaptar-se a uma cultura completamente diferente da sua é complicado, nem tudo é igual. Às vezes as coisas que tínhamos aos montes são difíceis de encontrar, e quando encontramos não é o mesmo.
Já perdi a conta de quantas vezes desejei as frutas, o café, o famoso feijão com arroz, coxinhas, pães-de-queijo... Lá fora é tudo tão diferente, as pessoas não entendem as piadas internas e muito menos as referências, é literalmente outro mundo. A gente acha que não pertence à nossa própria cultura, mas quando estamos onde “deveríamos realmente estar” — de acordo com nosso pensamento chulo — percebemos que nem tudo é como imaginávamos e que em todo lugar existem coisas que não gostamos.
Engraçado isso, o fato da gente começar a valorizar o nosso país quando está fora. Os próprios estrangeiros parecem gostar mais do Brasil do que nós mesmos, eles conseguem ver o que temos de melhor para oferecer, um olhar que o brasileiro só aprende a ter quando está fora.
Saí da área de desembarque e lá estava a Karina, corri em sua direção e a abracei o mais forte que pude. Como senti saudade dessa lunática! As pessoas lá fora não são tão zoeiras como os brasileiros, falta aquela alegria e criatividade. Já me disseram que temos uma magia para criar nomes, tendências e memes.
— Amiga, nem acredito! — ela pegou em minha mão e me rodou — Como você está branca! Lá nas “europas” não tem sol não? Parece papel, praticamente transparente — comecei a gargalhar alto e depois cobri a boca encarando os lados já esperando pelos olhares repreensivos das pessoas, mas não havia nada. Tinha me esquecido de que aqui ser escandaloso é normal.
— Só você mesmo! — neguei com a cabeça e ela jogou os cabelos para trás.
— Fiz todo um programa de passeio, vamos ao jardim botânico, ao clube que tem piscina, ao shopping novo que abriu. Ficou sabendo que a Paulista fecha aos domingos? Vamos lá também e... — eu a interrompi.
— Amiga, é feriado de carnaval — falei e ela assentiu com a cabeça enquanto franzia a testa como se aquilo fosse óbvio.
— Eu sei, e...? — ela me encarou confusa — Você odeia carnaval, Sara.
Abri e fechei a boca sem saber ao certo o que responder. De certa forma era verdade, nunca gostei, mas a gente muda. Vi as Olimpíadas pela televisão e senti um orgulho tão grande, cantei as músicas que nem sabia que conhecia de cor e gritei em cada vitória. Agora consigo ver o meu país com outros olhos. Consigo vê-lo da mesma forma que os estrangeiros o veem e sinto orgulho.
— Estou aberta à novas experiências — tentei sorrir do modo mais convincente possível. Quem sabe eu goste...
— Ainda bem, porque eu já tinha separado uma ida a um desfile das escolas de samba — ela sorriu travessa e eu abri a boca surpresa. — Você estava em uma vibe meio “assumindo meu lado brasileiro” que eu já preparei um plano B! Amiga, você vai adorar!
...
Lá estava eu no meio de um montão de gente. Eu via a alegria do povo brasileiro, do meu povo! Os sorrisos, o calor, a familiaridade, a felicidade. As risadas que contagiavam, os braços espalhafatosos e as pernas movimentando-se ao ritmo da música. O gingado que só o brasileiro tem.
A energia nos batuques, o som do pandeiro. A cumplicidade dos músicos, o som da percussão e do pandeiro agitado. O ritmo que contagiava os pés, as pernas, os quadris e os braços de qualquer um.
Cantei, gritei, pulei e dancei ao lado da Karina e dos meus novos amigos. Sambei de qualquer jeito só para me enturmar e me sentir mais brasileira, mas na verdade eu nem precisava, porque eu sou brasileira.
O carnaval me acertou em cheio! Apreciei a beleza dos carros alegóricos e o empenho que as pessoas tiveram para imaginá-lo e torna-lo realidade. Cada detalhe, cada brilho, cada elemento!
Pessoas desfilavam contentes, os homens com o charme que só os brasileiros têm e as mulheres mostrando sua beleza, quem sou eu para julgá-las? Somos livres para mostrar e fazer o que quisermos, temos mais é que aproveitar o mundo cada um a sua maneira.
As pessoas ao meu redor podem ver essa comemoração como uma festa para a perdição e a zoeira, mas eu vejo anos de tradição, de brilho, uma cultura maravilhosa, apesar do seu lado ruim. Afinal, nenhuma cultura é perfeita, todas têm o seu lado bom e o lado obscuro, só basta você enxergar a melhor parte.
Continuo não gostando de calor, de samba, de carnaval e ainda acho que temos muito o que melhorar, mas eu aprendi a respeitar e a conhecer. Aprendi a ver não somente o lado ruim, a valorizar de onde eu vim e apesar de eu amar outros países e outras culturas, nada superará o lugar onde eu nasci, porque foi aqui que eu cresci.
E no meio da multidão tudo ficou em câmera lenta, a música ecoada e serpentinas flutuando. Havia um sorriso no rosto de cada pessoa ao meu redor, poderia ser uma cena digna de obra de arte. Eu estava vivendo e sentindo a história. Finalmente entendi o motivo de tanta gente se animar com o carnaval.
De repente um flash chamou a minha atenção, um homem tirava uma foto daquela cena, o único que parecia ver o que eu via; e no meio de um mundo em câmera lenta, ele sorriu para mim notando a minha presença.
Ele se aproximou timidamente e com um sorriso no rosto tirou uma foto minha em meio a brilho e confete. Pensei em dizer algo, mas não sabia o que exatamente. Fiquei um tempo encarando seus olhos sorridentes e ele tirou outra foto dando mais um passo.
— Olá! — gritou quebrando nossa bolha temporal e a música voltou ao seu volume normal, ou seja, volume ensurdecedor.
— Oi! — respondi procurando Karina com o olhar, mas ela estava ocupada demais dançando para me notar.
— Sou Pedro, primeiro carnaval? — ele chegou mais perto quase sussurrando no meu ouvido de uma forma gritada.
— Sim — gritei de volta com o coração acelerado ao sentir a proximidade dele — Aliás, sou Sara. Tirou boas fotos? — ele sorriu assentindo e pendurou a câmera no pescoço.
— Sim. Você tem um brilho encantador nos olhos — corei rapidamente sem saber o que dizer — Desculpe, é que eu não pude deixar de notar. Sou fotógrafo e devo reparar no que mais ninguém repara.
— Também é o seu primeiro carnaval? — perguntei curiosa — Você parecia tirar foto com tanta emoção — balançávamos de um lado para o outro para não ficarmos parados como estátuas no meio do povo animado.
— Sim, nunca imaginei encontrar cenas tão belas. Muito menos uma mulher com um sentimento tão lindo — segurou em minha mão e me girou lentamente.
Ri quando ele me puxou para perto e começamos a dançar juntos como se houvesse uma música lenta. Naquele instante não me importei de estar dançando com um estranho no meio de tantos outros, talvez eu estivesse contagiada pelo clima carnavalesco. Confetes caíam sobre nós e a música seguia animada. Nunca imaginei que me divertiria tanto.
Depois de dançar as incansáveis músicas e de ficar com os pés doendo, Pedro me convidou para tomar um café e eu como uma boa viciada em cafeína não pude recusar. Ele me levou para uma cafeteria calma e com música ambiente. Descobri que ele era um jornalista que faria uma reportagem sobre o carnaval e o sentimento de ser brasileiro, aproveitei para contar-lhe um pouco de como mudei minha visão enquanto estive fora e ele prestou atenção em cada palavra minha. Depois da conversa sobre a minha vida, ele resolveu me mostrar a primeira foto que havia tirado de mim.
— Nesse momento você parecia estar vendo algo que só você conseguia ver, um momento único. Não resisti e tive que fotografar!
— Então é assim? Você avista uma garota avoada e decide tirar uma foto dela? — levantei uma sobrancelha divertida e talvez eu estivesse flertando um pouco, talvez... no carnaval vale de tudo, não é mesmo?
— Não, somente aquelas com um olhar irresistível. Aliás, você é a única que já vi com um olhar assim — ele me lançou um sorriso que me fez corar naquele momento.
...
Subi no avião para voltar à minha casa no exterior, ainda teria que cumprir mais alguns anos fora por conta da faculdade, mas dessa vez eu estaria levando comigo a lembrança de cavaquinhos e pandeiros, marchinhas de carnavais e quem sabe a esperança de um novo amor.
Nunca entendi muito bem como alguns escritores e artistas descreviam o país com tanta emoção, mas agora partilho desse sentimento. Finalmente entendi as músicas, os poemas e o amor dos exilados. E sentada aqui no avião penso no poema de Gonçalves Dias, não sei muito bem quanto aos sabiás e as palmeiras, mas ao meu ver seria mais ou menos assim:
Minha terra tem belezas,
Que não encontro por cá;
As pessoas que aqui vivem,
Nunca serão como as de lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossa essência tem mais cores,
Nosso povo tem mais vida,
Nossa cultura mais amores.
Ao deitar sozinha à noite,
Mais saudade tenho de lá;
Minha terra tem alegrias,
Que não encontro por cá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que retorne ao meu lar,
Sem que disfrute os amores
Que não encontro por cá;
Sem que eu ouça as brincadeiras,
Do meu povo a sonhar.
E com todo esse sentimento voei para longe esperando um dia poder voltar e aproveitar mais do lugar onde nasci. Definitivamente o carnaval passou a ser o meu feriado favorito, uma comemoração bela quando se aprende a apreciar a cultura que temos.
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Ayumi Teruya
pamelayumi7@hotmail.com
Nascida na Grande São Paulo em 1997, começou a escrever aos sete anos de idade e não parou mais. Autora do livro “E quem disse que eu sou normal?” e blogueira no site Pandinando. Encontrou na escrita uma forma de se expressar, descobriu que o papel e a caneta possuem o poder de criar novos mundos e derreter corações.
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A Noite
dos Mascarados
Adorava aquela época, aquele momento que marcava, efetivamente, o início de um novo ano, o começo de coisas novas e boas, a oportunidade de mudar sua vida, o sentimento de poder que só se tinha naquela época do ano; era carnaval, e, para Neusa, o momento feito para esquecer das mágoas e tristezas passadas. Tinha aprendido a fazer isso com sua mãe, Maria, que sempre fora supersticiosa, e frequentemente lhe dizia: − Minha filha, tudo o que você guarda durante o ano, é esquecido quando o samba toca. E era o que ela fazia.
Maria tinha sido uma sofredora, vindo da roça para a cidade, em busca de uma vida melhor, apenas para encontrar, no lugar, uma vida de miséria e luta. Aos doze anos, trabalhava como empregada na casa de uma família rica, em Vitória, e, aos treze, fora demitida, pois seu patrão tinha se afeiçoado demais por ela – toda vez que contava essa história, uma aura escura tomava conta de si, como se ela revivesse todas as memórias enterradas em sua mente. Aos quatorze, conhecera seu futuro marido, João Carlos, e, então, sua vida mudou drasticamente. Papai não era um homem bom, pensou. Seu Jão, como era chamado, era um bêbado que adorava chegar em casa e descontar suas frustrações em Maria. Se lembrava bem das vezes que o pai, mal conseguindo se manter de pé, empurrava sua mãe e a xingava dos piores nomes do mundo, apenas para, no dia seguinte, pedir desculpas e dizer: − Te amo, Mariazinha.
Ela aceitava, como uma boa esposa deveria fazer; era seu destino, afinal. Tinha sido ela a dizer sim, para João e tudo o que viesse com ele, inclusive a bebedeira. Portanto, engolia os diversos sapos que ele jogava em sua direção e seguia a vida. Sua mãe era uma mulher interessante. Quieta, de poucas palavras, mas tinha um “quê” de sabedoria que lhe deixava admirada; talvez fosse o sofrimento da vida, mas Maria sempre dizia a coisa certa, na hora certa. Outro fato sobre Maria era que ela amava sambar – algo que era contraditório com sua personalidade introvertida.
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Carlos Alberto de Oliveira
Conhecido como Carlos Alberto Betinho, é carioca, Servidor Público Federal, membro da Academia Evangélicas de Letras do Brasil, escritor com alguns livros publicados e participante de várias antologias, inclusive bilíngue - português e espanhol.
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Sábado de Carnaval
Milonga se olha no espelho, mira de um lado, mira de outro e, por fim, se dá por satisfeita. No berço o menino Juquinha chora aos cântaros. Com seis meses, o menino exigia dela as últimas energias e ela se maldizia o dia em que se entregara ao Vitor.
– Engravidou, dançou – disse o canalha nas suas ventas. Mas ela gostava dele e não queria mandá-lo para a cadeia.
Sábado de carnaval. Milonga não perderia por nada deste mundo uma noite de carnaval do Clube Lagoa Santa. Olha o relógio e nada de Genoveva chegar.
– Maldita! Só faltava me deixar na mão.
Pagaria Ge sem poder, mas nada a tiraria da folia, do suor, do balanço do corpo até as últimas forças. Já ouvia as músicas no ar, vindas de todos os lados: da casa vizinha, de carros que passam à frente de sua casa; do seu próprio rádio que ficava ligado o dia todo. Seu sangue começava a ferver.
– Maldita! Maldita!
E as horas galopavam e o menino chorando cada vez mais.
– O que este peste quer! Já dei de mamar. É hoje! Tudo acontece hoje!
A campainha tocou.
– Até que enfim.
Abriu a porta, entra Genoveva.
– Me enrolei.
– To vendo. Pensei que não vinha mais.
– Não dou bolo em ninguém.
E voltando-se ao bebe.
– E essa gracinha como anda?
– Esgoelando feito doido.
– Coitadinho!
Pega no colo e faz graça.
– Já mamou, não sei o que ele quer.
– Ele parece um pouco quente.
– Claro! Com esse calor o que você esperava?
No colo Juquinha se aquieta.
– Gostou do colo da Gege, gostou?
– To indo. Já atrasei muito.
– Não se esqueceu de nada não?
– Ah! Toma.
E lhe deu uma nota de vinte e saiu sem olhar para trás.
Milonga pegou o baile no seu topo. A animação parecia chegar ao êxtase e ela entrou no ritmo. Ficou meio deslocada, sem encontrar as colegas. Parou num canto, passou a dançar freneticamente. À sua frente, abraçado com duas moças, surge Vitor.
– E aí.
Ela mal responde.
– Pensei que não vinha. E o Juquinha?
Continuou calada. Por fim ele saiu. Ela foi para outro lado. Encontra Carmem. Era só animação.
– Vamos Mi. Sacode esse corpão mulher.
Milonga espantou a visão de Vitor e pôs se a dançar. Logo depois ele surge de novo com outras duas.
“O canalha está querendo”.
Vira a cara, procura se divertir. Mas algo não está certo. Devia ser a música, o grupo era ruim. O Forrobodó era melhor. Esses moleques com cara de bebe querendo ser gente.
Virava e mexia e a figura de Vitor surgia entre as muitas caras que se resfolegavam em corpos suados pelo salão. Pela terceira vez ele se aproxima e colocou a mão em sua cintura. Por alguns segundos ela estremeceu ao toque daqueles dedos calejados de auxiliar de oficina do Seu Bira que conhecia muito bem. Chegou a olhar para ele com ar de entrega, mas como um escorpião que a tivesse picado, ela se empertigou toda, se safando. Ele tentou novamente e recebeu um tapa entre o rosto e o pescoço. Uma magrelinha que estava com ele se doeu e tentou tirar satisfação, mas Milonga deu-lhe um tabefe mais sonoro e violento do que o anterior. A magrelinha partiu para cima de Milonga, mas Vitor a segurou. Milonga por sua vez teve o braço seguro por Carmem.
– Acalma-se amiga, não vale a pena.
Milonga estava satisfeita: conseguiu acertar um tapa na nele e na magrelinha e aí sim se sentiu satisfeita. Passou a beber. Tomou uma cerveja atrás da outra. Dançou mais do que nunca. Requebrava, suava, gritava, pulava, queria soltar todos os demônios e ao final da festa teve Carmem que carregá-la até o carro.
– Vamos que eu te levo, sua doida.
Gege ajudou a trazê-la para dentro.
– O que aconteceu com a sujeita?
– Dor de corna. Viu o Vitor com uma vagabunda e ficou assim.
Colocou-a na cama e lá a deixou. Juquinha no berço ao lado dormia.
– Como amamentará nesse estado?
– Ela consegue. Cerveja é bom pra dar leite não é?
– Dizem que sim.
– Então.
Quando acordou com o choro de Juquinha, Milonga sentia a cabeça como fora do corpo. Ainda com dores de cabeça, não se recuperava de toda. Mas Juquinha que tinha acabado de acordar chorava de fome.
– Já vai, a mamãe está aqui.
Abraçou o filho que mamava com toda força. Sentiu o seu calor, o seu olhar perdido no teto, atarracado nas tetas dela. Esta sentia uma vontade enorme de chorar. Ela resistiu, mas não aguentou. As lágrimas se misturavam ao leite que jorrava e Juquinha apenas sorria, satisfeito.
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Tenho me dedicado à literatura escrevendo contos e participando de vários concursos literários já faz uns dez anos. Meu conto “A enfermeira” foi selecionado no Concurso de Contos Machado de Assis, promovido pelo SESC em 2009. Em 2016 lancei meu primeiro livro de contos “Os estranhos”, pela Editora Penalux.
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Odair Albuquerque
odairalbuquerque@yahoo.com.br
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Situação ideal
de combate
Um grupo de foliões, usando abadás verdes, atravessou animadamente a avenida, cujo trânsito tinha sido bloqueado para veículos. Vendedores ambulantes carregando isopores, grupos de meninas com fantasias idênticas de anjos, alguns casais e várias crianças ajudavam a compor a fauna daquele espaço. Uma viatura da polícia militar estava estacionada com as quatro rodas sobre a calçada, o giroflex lançando luzes vermelhas na parede do prédio ao fundo. O rádio chiava com uma fala ininteligível enquanto os dois policiais, do lado de fora do carro, conversavam, alternando o olhar entre as pessoas que circulavam de um lado a outro da avenida.
Dois rapazes atravessaram pela frente do carro, evitando cruzar olhares com os dois policiais. Era como se, inconscientemente, tivessem medo que pudessem ler suas mentes.
Continuaram andando até alcançar uma rua transversal. Diminuíram o passo, mas só “Barata”, que usava um chamativo colar havaiano feito com flores plásticas, olhou para trás.
– Te falei que ia estar cheio de polícia aqui! Era melhor ter ficado nas ruas lá de trás… Ou longe da avenida pelo menos.
O outro, Ribeiro, não respondeu. Indicou um botequim de quinta categoria. O único freguês, um velho barbudo com uma camiseta de time de futebol, estava sentado em um dos tamboretes encarando tristemente um copo de caipirinha.
Ribeiro foi pedir uma garrafa de cerveja e dois copos de vidro. Sentaram nas cadeiras de alumínio que avançavam sobre a calçada.
– Não vai dar pra fazer nada aqui! – voltou a falar “Barata”. Falou muito alto e o olhar reprovador de Ribeiro fez com que ele continuasse numa voz mais baixa – Melhor darmos o fora pra evitar problema. Já conseguimos dinheiro e um celular maneiro… Se ficarmos dando mole aqui…
Ribeiro não respondeu. Limitou-se a bebericar sua cerveja com calma e olhar em volta. “Barata” costumava se irritar com essa atitude do amigo, mas nunca falava, por mais que seu rosto transparecesse. Uma adolescente fantasiada de zumbi entrou no bar e comprou uma garrafa de água. Suas amigas esperavam do lado de fora do bar. Quando ela passou por eles, Ribeiro se inclinou pra frente. “Barata” o imitou. Era o sinal que ia começar a explicação do que tinha na cabeça.
- “A água não tem forma constante”. Sacou? Não podemos ficar na mesma o dia todo… Arranjamos uns trocados e um celular legal… Show de bola… Mas meu faro diz que podemos descolar coisa melhor por aqui. Coisa grande!
– Coisa grande – repetiu “Barata”. O faro de Ribeiro nunca tinha se enganado.
Os dois eram vizinhos de porta na distante Baixada Fluminense. Oficialmente, para a família e amigos, viviam de “bicos”, pequenos trabalhos rápidos com pagamento imediato. Ribeiro costumava ajudar em uma oficina mecânica e “Barata” entregava quentinhas. Extraoficialmente, entretanto, a dupla já tinha rodado boa parte da cidade. Shoppings, grandes eventos ao ar livre, transportes públicos, o Centro da Cidade. Geralmente cometiam furtos. Quando a situação era mais favorável, pequenos roubos e até assaltos. Não era tanto pelo dinheiro, mas pela farra. Começaram em lojas de shoppings, sempre afastados de suas casas. Com o tempo, a área de ação mudou. Foi ideia do Ribeiro, sempre o homem das ideias, aproveitarem a época do carnaval para “engordar o orçamento”. “Barata” admirava a inteligência e a segurança do amigo. Nunca gaguejava, nunca titubeava. Sempre explicava suas ações usando jargões militares, frases de estrategistas e outras coisas que o empolgavam. “Barata” sempre quis ser militar e aquilo era como ser parte de um comando em missões arriscadas. Mesmo assim, de vez em quando, “Barata” duvidava que o amigo tivesse lido todos os livros que citava. Às vezes achava que ele só inventava mesmo.
– Cara, só ‘to falando que já temos o suficiente pra ir pra casa, cara… Só esse celular aqui dá um dinheiro bom pra cada um… Vamos acabar arranjando uma ideia… Nos encrencando…
- ‘Tá vendo essa rua? Ela vai dar na única estação do metrô aberta hoje. Todas as outras da área estão fechadas. Tá cheio de gente da Zona Sul, gente cheia de grana, indo e voltando por aqui. Têm uns dois clubes nesse bairro com festas a fantasia hoje. Clube de gente com dinheiro, ‘tá ligado? As oportunidades aumentam quando são agarradas…. Isso tudo é da Arte da Guerra! ‘To te falando, é garantido...
Terminaram a cerveja. “Barata” sentiu a cabeça rodar um pouco. Preferia ter tomado uma cachaça, pra sentir o calor queimando a garganta e o peito e dando coragem, mas era melhor não abusar. Ribeiro costumava ser violento quando sentia que a vítima escolhida estava escondendo o jogo. Sabia que se Ribeiro começasse a bater em alguém que se recusasse a entregar o que tinha, ele também bateria se estivesse bêbado. E pelo menos um tinha que manter a cabeça fria.
Andaram pela rua de prédios antigos. Viram quatro amigos, um deles fantasiado de bailarina, indo pelo outro lado da calçada na direção oposta. Andavam rápido, deviam estar com medo de perder a saída do bloco, pensou “Barata”. Outras pessoas andavam pra lá e pra cá, algumas fantasiadas, algumas não. “Barata” sabia que aquele não era o melhor local. Ainda era muito movimentado. Sua suspeita se concretizou quando viu o colega apontar uma travessa estreita que levava a uma rua paralela.
Pararam numa esquina, enquanto Ribeiro ascendia um cigarro, aproveitando pra olhar o entorno. Viu os olhos do amigo pousados nele, como um aluno que espera a explicação do professor para um problema de trigonometria complicado.
– O que estamos procurando agora é uma situação ideal de combate. – disse Ribeiro apagando o fósforo e soprando a fumaça pelo nariz enquanto falava – Alguém sozinho ou com alguém vulnerável. Um homem com a mulher grávida, um casal de namorados, dois velhinhos, e por aí vai…
“Barata” olhava fascinado. Vendo Ribeiro falando daquela maneira polida nem dava pra imaginá-lo xingando a senhora de idade que demorou pra entregar a bolsa ou dando socos no rapaz que se atrapalhou ao entregar o celular. Era como se ele pudesse ser duas pessoas diferentes.
Os olhos de “Barata” se iluminaram. Ribeiro acompanhou o olhar. Bem distante, quase no fim da rua, um homem e uma criança afastavam-se. Ambos usavam fantasias espalhafatosas.
– Olha ali! Pai e filho de Batman! – disse “Barata” sem apontar.
Ribeiro apertou os olhos:
– Pra mim parecem mais fantasias de Madame Satã… Vamos nessa.
Andaram apressados na direção dos dois. Conforme se aproximavam, “Barata” achou que deviam ser avô e neto. O homem andava com dificuldade. Não dava pra saber se por causa da idade ou pela fantasia, que parecia ser pesada. A capa, ou asa, amarronzada se arrastava pelo chão. O garotinho dava passos curtos e vacilantes. Andavam apressados na medida do possível.
“Barata” notou que estavam chegando a uma parte do bairro onde haviam vários sobrados abandonados e condenados. Algumas poucas casas tinham se transformado em cortiços. Outros prédios haviam sido simplesmente lacrados com tábuas pregadas nas portas e janelas. Todos mostravam sinais de decrepitude.
– Quando eles chegarem perto das árvores, a gente chega junto. Ali tá cheio de poste queimado, tá vendo? – Ribeiro deu um piparote no cigarro, que sumiu num bueiro. - Já sabe: pegar e sair batido. Qualquer coisa me espera naquele botequim que paramos.
– O velhote deve ter bastante dinheiro. A fantasia parece cara…
– Pior pra ele.
Emparelharam com os dois fantasiados, acompanhando pelo outro lado da rua. “Barata” sabia o que fazer. Quando Ribeiro avançasse pela frente, barrando a passagem dos dois, ele chegaria por trás, bloqueando a possível fuga. Se um dos dois começasse a gritar, era hora de começar a surra. Sentia o coração batendo rápido e o prazer que precede a batalha.
Funcionaram como um relógio. “Barata” chegou por trás das vítimas no momento em que Ribeiro barrava o caminho deles e dizia:
– Perdeu, coroa! Passa tudo ou seu netinho…
Mas não terminou de falar. “Barata” ouviu um som que ele nunca tinha ouvido e nem cogitava a existência. Ribeiro estava gaguejando. Algo tinha assustado ele a ponto de fazer com que as palavras sumissem de sua mente.
Tudo pareceu acontecer em câmera lenta e “Barata” não soube o que fazer, pois nada daquilo estava no roteiro. O velho avançou para frente, com os braços abertos, como se fosse um familiar muito próximo pedindo um abraço na noite de Ano Novo. “Barata” teve a impressão de ouvir um som estranho vindo de algum lugar, como ar escapando de um pneu furado. A capa, que se arrastava, no chão pareceu dobrar de tamanho e acompanhar o movimento dos braços magros e compridos do velho. Viu a parte de trás da cabeça dele se inclinar e aninhar no pescoço do amigo com um tranco. Em seguida os dois caíram no chão.
“Barata” deu um passo vacilante para frente e viu, no meio da penumbra, o velho mover a cabeça violentamente para lá e para cá, como um cachorro que tivesse acabado de abocanhar uma ratazana. Estava deitado sobre o corpo de Ribeiro, que sumira sob a capa. Só conseguia vislumbrar as pernas do amigo, escoiceando o ar. Ouviu o som de coisas estalando e rasgando.
Ouviu outro som. O mesmo chiado de ar que ouvira antes, mas um pouco mais baixo. Só então percebeu que o “netinho” estava parado do seu lado e o encarava. Agora era ele que fazia o som. E não era uma fantasia de Batman e muito menos de morcego que o pequeno estava usando. Pelo menos não era uma fantasia. Olhos leitosos anormalmente afastados do centro e uma boca que se projetava repleta de dentes amarelados e finos como agulhas foram às últimas coisas que viu antes de sentir o impacto da pequena abominação contra seu corpo.
Enquanto sentia suas costas coladas ao chão, o peso da pequena criatura sobre sua barriga e seu corpo ser sacudido, uma dormência tomou conta dos braços e se alastrou pelo corpo. Teve a impressão de sentir algo estalando longe e achou que podia ser a tela do celular roubado em seu bolso traseiro.
“Barata” ainda teve tempo de pensar que algumas coisas só podiam mesmo acontecer no Carnaval.
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Hedjan C. S.
hedjancs@gmail.com
Carioca, nascido em 1978. Pedagogo, Funcionário Público e fã de histórias de horror. Publicou os contos “Sobre Trailers e Maldições”, na antologia Tratado Oculto do Horror (Andross, 2016), Tarde de Trabalho Atípica (Revista Avessa, 2016), Antes do Último Metrô (Revista Litere-se, 2017). Colunista da Revista Litere-se, mantém o blog materiadepesadelos.blogspot.com.br. Suas influências literárias são Nelson Rodrigues, Stephen King e H.P. Lovecraft.
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O dia em que o país foi golpeado na democracia
Os coleguinhas de toda a vizinhança veem desenhos animados. Passam a manhã assim, virando o canal de TV à procura deles. Joãosinho, não!
Filho de mestre-sala com uma das maiores sambistas do Morro do Pau da Bandeira, participou do carnaval desde seu primeiro mês na barriga de Débora, a mãe: gerado num dia de novembro, sua primeira visita ao barracão da escola foi no mês seguinte, nos preparativos para o grande desfile.
Um ano depois, lá estava ele no colo de uma tia, enquanto mãe e pai atravessavam a Sapucaí, sorriam para as câmeras e recebiam os aplausos do mundo inteiro. Assim se repetiu nos anos seguintes, em todos eles, e em praticamente todos os meses de cada um deles: o preparo das escolas de samba começava assim que acabava fevereiro, de olho no título do próximo ano. Era como se - nascido dentro da folia - ele e o carnaval fossem um só.
Aos quatro anos estreou na bateria, tamborim nas pequenas mãos e alegria maior do que receber um sorvete em dias de 40 graus. Aos seis, já desfilava na ala infantil da escola. Aos doze, “homem feito”, destacava-se na Comissão de Frente de uma escola com desfile quase perfeito, primeiro lugar naquele ano, com nota geral de 269,9 pontos.
Nunca quis ir para a escola. Sua vida era a Escola, a outra, Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Pau da Bandeira. Ali passava os dias, fazendo de tudo. Ali ficava mais do que em seu barraco. Se seus colegas namoravam as meninas ou os meninos, ele namorava a Escola. Com ela queria passar todos os seus momentos, na saúde e na doença, na paz e na guerra, em fevereiro e em todos os dias de todos os meses. Na alegria e na tristeza (como em 2015, quando foi rebaixada para o Grupo de Acesso).
Neste carnaval, teria enlouquecido? Conta-se que saiu do barraco na segunda-feira anterior. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Pau da Bandeira só desfilaria no segundo dia dos grandes desfiles. Ele queria garantir que tudo sairia conforme sonhara, e que o título de campeã seria consagrado na Quarta- Feira de Cinzas. A Escola trabalhara para aquilo, para ser a campeã, estava preparada. Ele, especialmente, dedicara todos os seus esforços, todos mesmo!
Nunca mais foi visto no barraco, apenas no barracão.
Segunda-feira. Penúltima escola a entrar no sambódromo. Expectativa no ar. Rumores davam contas de que era a escola preferida do público e a provável campeã de 2015. Jornais registravam opiniões as mais diversas de que era a escola com mais chances de vitória, a que apresentara o samba-enredo que caíra no gosto popular. “O dia em que o país foi golpeado em sua democracia” já era cantado da Urca ao Santa Cruz, de Vigário Geral à Barra da Tijuca, no Leme, no Cosme Velho, no Aterro do Flamengo, em Madureira, no Leblon, em Copacabana, em Ipanema e nos morros, no cais do porto. Nos botequins da Lapa.
O mundo inteiro com seus olhos voltados para a Unidos do Pau da Bandeira. E lá vem o carro abre-alas, arrancando suspiros e aplausos. Alas trazem sambistas se esbaldando, irradiando simpatia e sorrisos. O mestre-sala e sua porta-bandeira Débora – que vistos assim, parecem ter ainda seus vinte e poucos anos - levam o estandarte da escola usando fantasias luxuosas (é onde está a maior parte de suas economias de um ano inteiro!). As arquibancadas se põem de pé: vibram, gritam o grito de “É campeã! É campeã!”, cantam o samba-enredo, aplaudem, parecem inebriadas como se usaram drogas, como que alcoolizadas. Neguinho do Pau da Bandeira e demais puxadores aumentam o tom da voz. Bateria arrepiando. Bruna Lombardi, madrinha, diva. Luzes. Câmaras focadas em Débora. O som do samba. Excitação. Suor. Êxtase.
De repente, faltando pouco mais de cem dos setecentos metros do sambódromo para serem percorridos, quebra um carro alegórico. Seria a queda dos golpistas ou seria a queda da escola?
Passistas no chão, fantasias se rasgando, saltos perdendo o salto, efeitos especiais perdendo o efeito. A TV mostra, tudo, em câmera lenta, numa agonia sem fim. Contrastando com o samba-enredo – que continua sendo puxado, voz entrecortada de Neguinho (mudos os demais puxadores), Débora, a diretoria, milhares de componentes vão às lágrimas pela desarmonia de final de desfile causada com a perda do carro.
Alheias à queda, as arquibancadas já decidiram o que será decidido apenas na Quarta de Cinzas. E continuam com o grito de “É campeã! É campeã!”
O carnavalesco da escola considerou o desfile perfeito (Oh! Coração de apaixonado!) , “tanto que fomos chamados de campeões o tempo todo”, declarou a uma rede de TV. “O contratempo pode até nos custar alguns pontos mas não vai nos roubar a chance do campeonato”, mostrando-se confiante. Ou fingindo-se confiante. Ninguém nunca saberá o que ia naquele coração naquela hora.
Diferente do carnavalesco, diferente das arquibancadas, mantendo seu histórico conservadorismo que vinha de décadas, decidiu o corpo de jurados: 265 pontos. Rebaixada.
Conta-se que na nota do penúltimo jurado foi quando Joãosinho foi visto pela última vez. Em meio à tristeza de toda a escola, o sumiço de seu filho mais querido.
Só foi encontrado no sábado, ironicamente, no dia do desfile das campeãs. Num canto da Sapucaí, enrolado na bandeira do Pau da Bandeira. Morto.
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Pós-graduado e mestre em Linguística, casado, é professor, adora escrever poemas e contos/crônicas. Gosta de fotografar, ler e jogar futebol. Foi premiado em vários concursos literários (RJ, PR; MG, SP).
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Reinaldo da Silva Fernandes
reinaldoffernandess@gmail.com
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Julia Yembo
jgyembo@gmail.com
Poema de
Carnaval
Estudante de Pedagogia da Unesp, vegetariana e rata de biblioteca. Cresceu sob influência da obra do Mário de Andrade e na adolescência descobriu Ana Cristina Cesar. Desde então, volta e meia encontra-se escrevendo algum poema modernista ou marginal.
Nas ruas, molhada de suor,
abraço a liberdade
e salto, intrépida, sem pensar no amanhã.
Afinal, é Carnaval, meu bem,
e sou ritmo puro que se espalha por Olinda.
Sou som de Caetano,
sou ode à carne quente e festiva.
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Sobre a Revista
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A escolha dos textos
Cada edição será construída em cima de um tema. Os textos a serem publicados serão escolhidos pelo Conselho Editorial, com base nas regras indicadas no edital publicado no site.
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