Resenha

Resenha – Treze

TrezePoucos gêneros conseguem ser tão completos quanto o horror. Nossa mente consegue processar o que for, mas quando se trata de lidar com o desconhecido, o distante, o estranho, a tendência a falharmos nesse intento é demasiado alta. Determinadas coisas simplesmente são perturbadoras. É por essa razão que sempre sentimos como se estivéssemos pisando no território do horror pela primeira vez novamente a cada novo passo que damos pelas páginas de um conto.

Treze, do gaúcho Duda Falcão, é um livro que consegue mesclar ideias originais com moldes já consagrados do horror, utilizando o melhor que a fórmula trash pode oferecer. Ao longo de seus 13 contos, nos deparamos com figuras das trevas as mais diversas, algumas já bem assimiladas, e outras desconhecidas. Há homenagem às obras de Poe e Lovecraft, bem como há personagens recorrentes do próprio Duda Falcão, como o Anfitrião, que também nos apresentou a seu livro anterior, intitulado Mausoléu, ou o índio Kane Blackmoon, que aparecera anteriormente em um dos exemplares da coleção Sagas, da Argonautas Editora.

Vamos a uma pequena descrição de cada conto, na ordem em que aparecem no livro, bem como meu parecer a seu respeito. Se você não quer ler SPOILERS, sugiro que pule as descrições e vá direto para o final do texto, onde deixo meu parecer geral com respeito à obra.

!!! ALERTA DE SPOILERS ABAIXO !!!

O primeiro conto, Eadgar e o Resgate de Lenora, segue um cavaleiro hoplita em uma busca pela alma de sua amada, injustamente condenada a passar a eternidade no mundo inferior. Toda a simbologia baseada no grandioso poema de Edgar Allan Poe, que inclui até mesmo o Corvo e o Busto de Palas, por mais estranho que pareça, conseguiu casar perfeitamente com o clima aventuresco da época em que a história se passa. No entanto, não faria mal em alongar um pouco a trajetória do casal após o resgate, pois o fim pode ter sido, talvez, demasiado abrupto.

Sob os Auspícios do Corvo, o segundo conto, é um faroeste que trata da vida do índio Kane Blackmoon após os acontecimentos ocorridos no conto Bisão do Sol Poente, encontrado no volume Estranho Oeste, da coleção Sagas. Aqui, ele vive do trabalho para uma família de fazendeiros, mas parte em resgate da filha de seu patrão, sequestrada por bandidos. O interessante é o fato de uma entidade apresentada no conto que o precedeu ressurgir aqui, o que me fez pensar na jornada d’A Torre Negra, de Stephen King, que surgiu como uma série de contos protagonizando o mesmo personagem. Seria isso o começo de uma Torre Negra brasileira? De qualquer maneira, devo observar que, do ponto de vista de organização, por motivos óbvios não me pareceu uma boa ideia colocar um conto com este título logo após Eadgar e o Resgate de Lenora. Uma referência é sempre bem-vinda, mas duas seguidas acabam causando a impressão de desgaste.

Os Desejos de Morris traz a história de um artefato terrível, nefasto, que traz à tona três desejos a ele pedidos, mas que os acaba distorcendo de alguma maneira. O dono do artefato, Morris, conta a história de suas desventuras ao longo da história. Detalhe no zumbi e no feto. E na clara referência aos poderes do Mestre dos Desejos, um dos clássicos do horror slasher.

Almas Roubadas, o quarto conto, segue a história de um fotógrafo profissional contratado para tirar fotos íntimas de um político influente e sua amante. O jovem, com as fotos em mãos, deve entregá-las ao contratante, em um lugar suspeito de Porto Alegre, e lá, induzido pelo “rei babá” a utilizar uma substância estranha, presencia algo além de sua compreensão. Um conto que achei simples e maravilhoso.

Abismos Insondáveis merece nota dez pelo final. O tipo de final que nos deixa pensativos quanto ao destino de algum personagem. De resto, infelizmente é mais do mesmo. Estamos soterrados de referências aos mitos de Cthulhu na cultura pop, mas valeu a pena pela homenagem ao nosso querido Lovecraft, e pela escrita impecável. Arrisco a dizer que este é o conto com a melhor narrativa em toda a obra.

Mais referências às bestas lovecraftianas em Senhora do Fosso, mas felizmente aqui nenhum nome foi citado diretamente. Tudo começa quando um rapaz é seduzido por uma bela jovem a participar de uma festa na casa dela. Depois disso, o que se segue é o maior festival de sangue de todo o livro.

O Vampiro Cristão, devo admitir com tristeza, não me convenceu. A premissa do conto é muito boa, bem como o personagem principal. Mas talvez tenha havido certo exagero quanto à cota de espécies sobrenaturais por conto, o que o deixou saturado de seres fantásticos e, portanto, menos crível do que qualquer outro conto do livro. Além do mais, a presença de uma fada em torno do vampiro que dá título ao livro arranca completamente do conto a sua credibilidade como conto de terror. Creio eu, há limites mesmo para o trash. A história acabou se parecendo com uma aventura de RPG, repleta de seres sobrenaturais.

Dragão de Chumbo, trata de um grupo de crianças que pega uns livros suspeitos de um bibliotecário ainda mais suspeito, com o objetivo de aprender mais para um trabalho de biologia. Obviamente a coisa desanda quando os livros de “experiências” dão instruções como recitar cânticos à meia-noite e coisas do tipo. Fiquei muito feliz com o fator “a curiosidade matou o gato”, muito bem explorado aqui.

Os Bonecos de Rita empata com Devoradores de Narrativas na posição de melhor conto do livro. Neste conto curtíssimo (e a brevidade é seu único defeito) encontramos uma garotinha negligenciada pela família, e que não suporta mais essa triste situação. O ponto alto do conto é o fato de ele demonstrar simbolicamente como o ódio de uma criança pode afetar o mundo ao redor dela. Confesso que, dentre todos os contos em Treze, este foi o único que realmente me deixou com um frio na espinha, talvez pelo fato de o tema ser algo até banal em nosso cotidiano do século XXI, e ser realmente verdade que algumas crianças podem até mesmo nutrir desejos homicidas por não receberem cuidado e atenção suficientes.

Licantropo me deixou em dúvida. Um homem atropela algo que cria ser um cachorro. Atormentado pela morte do animal, começa a ver coisas… uivar para a lua. Bastante slasher também, com uma boa dose de sangue na briga de bar. Mas, se eu fosse editá-lo, toda a viagem submarina teria sido cortada, e o enfoque teria ficado nas consequências reais dos atos do lobisomem.

Devoradores de Narrativas é uma obra-prima, e o conto mais original do livro, em minha humilde opinião de leitor. Seguimos um universitário que arranja trabalho como vigia noturno em uma biblioteca. Adentrando a seção de livros raros, ele acaba sendo seduzido, e logo aterrorizado, pelo conhecimento que aquelas obras lhe proporcionam. Mas pode ser demasiado tarde para abandonar a leitura… Muito bem narrado, e com um final maravilhoso, é um conto que certamente voltarei a ler no futuro.

A Turma de Biologia é a coisa mais trash que poderíamos desejar numa coletânea de horror. Tanto que imaginei com imagem de filme dos anos 80. Temos aqui todos os elementos básicos para uma história assim: uma festa repleta de jovens universitários, um nerd que sofre bullying e um necrotério. Não preciso dizer que morre todo mundo no final, né? Ah, e tem zumbis. Pontinhos a mais para a trashice dessa pérola. Super recomendado, por ser o conto mais de acordo com a premissa do livro, a meu ver.

Treze, a jóia incrustada no título do livro, também é digno de aplausos, pois fecha o ciclo com perfeição, nos trazendo à vida do jovem interiorano que é o décimo terceiro filho de sua família. Com mania de perseguição e medo do oculto, Ezequiel, ou Treze, apelido que recebe a contragosto, é um rapaz simples e cheio de superstições que a princípio parecem tolas, mas que o protegem de algo que pode ser o começo de uma nova vida para ele. Uma vida mais sombria. A cena da bruxa na janela é no mínimo perturbadora, o que me faz dar um parecer favorável ao conto, apesar de não ter encontrado carisma suficiente no personagem Treze/Ezequiel.

!!! FIM DOS SPOILERS !!!

Sei que me estendi demais, mas é impossível resenhar um livro de contos sem citar cada um deles. No geral, Treze é um bom livro. Peca em um ou outro aspecto, mas suas qualidades superam em muito os seus contrapontos.

Destaque para o trabalho gráfico do livro, que ficou muito bonito, por dentro e por fora. Por último, sem querer de forma alguma desmerecer o trabalho do colorista da capa, Robson Albuquerque, mas, em minha singela opinião, o feeling de terror trash poderia ser melhor expressado com a arte da capa em preto-e-branco.

Depois desse texto gigante, dou meu veredicto: leiam Treze. O livro como um todo é muito bom, e sei que os contos que não me desceram certamente agradarão a outros, bem como o contrário pode acontecer. Isso é uma das melhores coisas que um livro pode causar, é o livro ter a personalidade de uma pessoa real, com seus maneirismos, defeitos e qualidades.

Sobre o Autor

Duda Falcão nasceu em 1975 e reside na cidade de Porto Alegre. Seu primeiro romance de aventura, com inserções de horror, intitulado Protetores, foi lançado em 2012. No ano seguinte publicou o livro de contos Mausoléu – uma coletânea com textos inéditos e outros publicados desde 2009. É professor universitário licenciado em História, especialista em Literatura Brasileira, mestre e doutorando em Educação.

Onde comprar

O livro está disponível no site da editora.

Resenha por Jaime de Andruart

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